Revista TriploV DE Artes, Religiões e Ciências

Direção|Maria Estela Guedes & Floriano Martins

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NICOLAU SAIÃO

ESCRITA E O SEU CONTRÁRIO

 

 

INDEX

 

Alguns dos poemas deste livro foram publicados em revistas e jornais tais como: TriploV, Decires (Argentina), Jornal de Poesia (Brasil) Velocipédica Fundação, Botella del Náufrago (Chile), El Establo de Pégaso (Espanha), DiVersos, Carré Rouge (França), Saudade, De Puta Madre (Espanha), Sibila (Brasil), Abril em Maio, La Otra (México), António Miranda (Brasil).

(Casa da Muralha, Arronches, Dezembro de 2009)

ONZE INSTANTÂNEOS ARCANGÉLICOS

                                                                               ao Floriano Martins

1. Em cada dia que nasce o mundo transfigura-se. Os quatro reinos da Natureza renovam-se a cada momento. E onde as linhas se juntam e separam é que fica o fogo dos tempos. As paisagens do mundo do pintor são por vezes inomináveis, pois dependem da existência animal dos universos dentro de tudo, incluindo os infernos sociais.

  E por isso é que a noite e o dia são da mesma cor. 

2. É do fundo do passado que as velhas obras nos olham, inquietas, aguardando a      nossa palavra definitiva. A nossa existência está para além de Altamira, do Parténon, das tábuas de Kirsh e dos pomares de Belleville – mas é dentro do artista e das suas moradas ocasionais que a claridade se decanta.

  E por isso é que o dia e a noite não se misturam. 

3. Estamos rodeados de presenças – de pessoas e de coisas, de palavras ora estranhas ora familiares. Que teremos de maravilhoso para lhes dizer? De revelador, como um sulco numa rocha do paleolítico? Eis que o pintor decide pôr-se ao trabalho: as portas abrem-se por um momento luminoso e, logo após, cerram-se de novo. O que ficou, pobre coisa multicolor, será o seu pão e o seu vinho interiores e secretos -  e o artista mais não pode fazer que olhar com as mãos a tremer os continentes fabulosos que entreviu.

  E é então que percebe que noite e dia têm a mesma forma. 

4. O corpo é um mundo incógnito que há que revelar na sua inocência de pedra e de madeira, mas só se não existem imagens virtuais na nossa mão e nos nossos olhos, O quotidiano do pintor é tão natural como uma cadeira, um gato ou um lápis – mas só se o que subjaz à sua busca são os sete continentes da fábula.

  O dia, a noite, a amargura dos momentos são lugares muitas vezes só de passagem. 

5. Só da nossa experiência esquecida poderemos tirar a forma mais exacta, como se uma voz velada nos permitisse traçar num papel frases adormecidas. 

6. É na calma fecunda do dia-a-dia, na frescura das horas profundas que o artista encontra os tempos em que a vida retém a cor das madrugadas sombrias e das noites longas e palpitantes de desconhecido. Os demónios não se movem, o pincel reteve-os como uma árvore ou um muro de quinta. 

7. O mundo tal como se vê ou se sente pode caber num bolso, donde depois se solta como um lenço manchado pelos dedos do artista. Mas é preciso que se saiba mergulhar entre os destroços que as existências dos outros deixaram nas ruas. 

8. O pintor anda pelas ruas e reconhece o traçado do passado próximo. As memórias existem em todas as direcções, são simples e belas, terríficas ou indiferentes – e a mão do artista treme e adeja como que para lembrar a si mesmo que a naturalidade é afinal a mãe dos segredos que aprendeu. 

9. Nas ruas por onde o pintor se locomove há outras figuras que lhe são paralelas: constitui matéria de má-consciência pretender que o artista tenha algo a ver com todas elas. Se há gentes cuja estrutura lhe é próxima, outras há que apenas são matéria de vómito ou de incógnita. 

10. A chuva acontece na realidade e na fantasia, o sol existe em reinos diversos, da ficção ao facto concreto. Mas o que é que isso significa? Assim como o lixo é o que subjaz à civilização, o que está por detrás da existência doméstica e social é aferido de minuto a minuto pela nossa consciência do sagrado. No fundo, os momentos absurdos reconstituem uma existência passada algures e plasticamente recriada. Como se o dia e a noite fôssem apenas matéria para quadros de género. 

11. Os pintores nunca mentem, mesmo quando pensam o contrário. Os anos encarregam-se de os aniquilar – e então a verdade que acharam desaparece – ou de os confirmar – e então tudo se torna possível. Porque, afinal, vai-se pelo mundo com dois olhos, dois ouvidos, vários pares de mãos e muitos pés diferentes: indagando, reflectindo, comparando. No fim, o que se conseguiu de certeiro, de fértil? Apenas alguns segundos de inteira alegria, algumas imagens cercadas de escuridão. Mas esse pouco é o penhor da nossa realidade, aquilo que não se deixa aos corvos e aos girassóis. Tudo está, bem vistas as coisas, para além do que se julgou possuir, mas não será esse o sinal perfeito duma meditação como um pequeno sinal de cor numa tela destruída pelo fogo?

Revista TriploV de Artes, Religiões e Ciências, 5, Abril de 2010

   NICOLAU SAIÃO [FRANCISCO GARÇÃO]
 [
Monforte do Alentejo,1949, Portugal]
Poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico. Efectuou palestras e participou em mostras de Mail Art e exposições em diversos países. Livros: “Os objectos inquietantes”, “Flauta de Pan”, “Os olhares perdidos”, “Passagem de nível”, “O armário de Midas”, “Escrita e o seu contrário” (a publicar). Tem colaboração dispersa por jornais e revistas nacionais e estrangeiros (Brasil, França, E.U.A. Argentina, Cabo Verde...).
CONTATO: nicolau49@yahoo.com

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