Revista TriploV DE Artes, Religiões e Ciências

Direção|Maria Estela Guedes & Floriano Martins

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obras em processo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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NICOLAU SAIÃO

ESCRITA E O SEU CONTRÁRIO

 

 

INDEX

 

Alguns dos poemas deste livro foram publicados em revistas e jornais tais como: TriploV, Decires (Argentina), Jornal de Poesia (Brasil) Velocipédica Fundação, Botella del Náufrago (Chile), El Establo de Pégaso (Espanha), DiVersos, Carré Rouge (França), Saudade, De Puta Madre (Espanha), Sibila (Brasil), Abril em Maio, La Otra (México), António Miranda (Brasil).

(Casa da Muralha, Arronches, Dezembro de 2009)

RITMOS

1. 2. 3. 4.

SONETO (QUASE) INGLÊS

AFRODITE

AFRODITE

TESTAMENTO

VOZ  DE AMOR

VARIAÇÕES PARA UM AMIGO QUE ME ENDEREÇOU UM REPTO

GUITARRA

ELE VOLTA SEGUNDA VEZ E CANTA

1.    

Percorro a cidade sem frio sem fome

Ando como uma sombra   diria: uma pequena sombra

um fragmento escuro entre automóveis   carros

baratos   carros de luxo

Um hiato de carne entre casas   Moradias

onde nunca entrarei. 

2.

Conheço-as há tantos anos    as suas imagens enchem-me

Repleto sou uma pança de reconhecimento   de meiguice

ó casas sem nome   com nome     Casas bonitas casas feias

As casas da cidade habitual

As vozes não entram em mim    ocupam-me

As flores que não há repousam modestamente

no sítio do costume

 

As que há desafiam-nas para existirem paralelamente

Entram na minha sombra

ondeiam   estralejam. 

3.

Afinal a minha fome é diferente

Talvez  pior que a dos bravos rapazes dos Assentos

ou do bairro anão dos marroquinos

que misturam a polícia   trancam-na em monossílabos

sangue e ruínas   pistachos   guisados de borrego

“morte, onde está tua vitória?”

- como na Bíblia se diz -

visitam com o seu gáudio os parentes

Eles são os grandes avatares do momento. 

4.

Vede   é a calva dum tal qualquer

límpida como a lua límpida como um sol

e eu sem fome e eu sem sono

Desespero. Tenho de que me queixar    desfaleço

O meu fato de sempre  pende-me do esqueleto

ouço a música e espero   como uma sombra espero

 

Algo passa   vai para um planeta distante    vai para

o mundo   todo o mundo

 

no sítio do costume.

SONETO (QUASE) INGLÊS

Como por Abril velho   Abril antigo excede

Voz de meses e de anos   rara vontade havida

Sob sua estrutura ou curvatura feita

Antes de lumes    ruas   e rios adormecidos.

 

Como luz por escura   sóbria murmuração

Ou em mesa de pinho um rasto de outros tempos

Assim se solta a sombra assim figura cresce

Mesmo que só minutos nesses anos houvesse.

 

Num século fôra Agosto   noutro século Setembro

E já por terra adentro as marés encalhavam

Que meses são como horas   dias são como rostos

De muitos anos feitos em seus mares de desastre.

 

Que pois Novembro seja   ou Janeiro para sempre

Barco ou ramo   ou caminho em alta voz firmado

Penumbra que se acolhe em céus de sobressalto

Fragmentos de lembrança como um Outubro ou Maio.

 

Que por nossa memória   meses são como árvores

Que em ondulantes traços palpitam sobre as casas.

AFRODITE

Chegar lentamente ao teu lugar preferido

Piscar-te o olho, sentir uma pequena mágoa

Sentir sede, dizer só para dentro

Deus proteja o meu riso, deus me dê um dicionário.

Saber quase ao acaso

que ardes como numa casa um suicidado

em agonia   um animal por exemplo um canário

normalíssimo mas com um adejar suspeito

olhado de lado por alguém que não se lembrará de ti

Um corpo um cântico  sugestivo  profético

sobre uma cama que só há no poema por baixo

 

Contar-te longamente   longamente

- fingir se fôr preciso a amargura das horas -

E contar-te de novo  um bocado  um fragmento

Linhas versos um trecho excepcionalmente amargo

 

Não apenas vinho. Mas também isso.

Ou água ardente. E sal e outras maravilhas.

Olhar-te como se olha um lenço velho

De pescoço ou um par de calças esfarrapadas.

No mar, receio dizer-te, não se encontram

Linhas de fuga, finos tecidos vogando sobre as ondas.

 

Cobrir-te lentamente os membros superiores

De negrume e de coisas tranquilas e secretas

num tempo devastado e inteiramente vago.

Informar-te assim como quem não sabe o que faz

Que mais ou menos há monstros e que há vozes a toda a volta.

 

Os perigos os remotos usos os lindos cabelos entre as páginas

Estão por aqui, por ali, e tu adormeces no seu conforto.

TESTAMENTO

   (ao meu filho Pedro, cientista)

Julian P.Snyders, biólogo

do Instituto Federal da velha terra dos

Iroqueses - os olhos

inteiramente iguais a qualquer de nós – observa

pelo microscópio e vê: o cendrado da cor química

como as folhas de uma tília às quatro da

manhã, no pequeno espelho suporte do

aparelho desaparece – pouco a pouco. O instrumento

é assim uma presença

viva. O ruído

como de aluvião em perpétuo movimento: a mosca

sobre a mesa. Julian P.Snyders, marca

de carne na sala mobilada, ou

António, Ezequiel, Isaías

Joaquim, Moisés, Absalão

nomes muitos, como aves na noite e

na encosta norte do seu próprio corpo

para utensílios raros.

Julian nota qualquer coisa incerta.

Rosada na tarde

branca de madrugada

como máquina folicular ou elemento

primordial, sobe enfim a seus olhos o minúsculo

foco sensível. Vega ou Hiperyon, a madeira e o

tempo destruído. Em 22 de Fevereiro de 1952, um

jardim cobria-se de novos silêncios e a

neve era de novo a cicatriz aberta

na cidade. Uma

lembrança de pastores, o

braseiro junto a muros derrocados, branco

fora e dentro do mundo. Íntima devastação.

 

Antes dizer: que esse

inteiramente só o achariam, surdos

trabalhos de alma, como objectos quebrados.

 

Julian P.Snyders, olhando

retendo, erguendo, buscando

a quem o deve atribuir, enquanto

cataclismo e criação? Nada

como parede onde um prego susteve

imagem e momento.

 

Aqui estive, então

morto e humilhado, acto

como sombra e destino, imagem em nós

projectada. Julian, etc., incomum

a mim como eu a ele – a natureza e sinal –

dissolve-se no tempo como um ardido

bosque em

 

alto caminho impossível.

VOZ  DE AMOR

Não te direi poemas e sim vulgares palavras

- como café, cadeira, naco de pão, um copo

de água para refrescar os minutos

ou “cuidado com o carro” ou “que te deu?” ou ainda

“não estejas triste, está aqui a minha mão”. Palavras

com que se fazem os poemas mas agora só presas

ao natural de um dia, ao natural do tempo

ao natural de quem fala com as palavras todas.

Palavras como “pena”, como “chuva” ou então “já é noite!”

e “o dia foi tão rápido”, palavras que irão cair

dentro de um bolso, no coração fendido, nos olhos perdidos

até na música que reboa dentro de um peito ausente

palavras seja de perdão seja de febre, palavras

apenas sons sobre a angústia da tarde. E a palavra “alegria”

e a palavra “segredo”

e aquelas palavras que se não dizem ou se dizem

quando as palavras findam por já não precisarem

senão de silêncio entre duas bocas que serenamente se calam.

Sim, e as palavras desaparecidas

e as que não viveram

e as que saudamos como companheiras de viagem

que reconhecemos e com quem trocamos um olhar

porque as palavras sabem esperar no escuro

e é nesse escuro que esperam o seu momento

palavras breves

que nos amaram por fora de nós

que nos conhecem

que sempre nos haverão de conhecer

 

palavras como “ontem”

como “depois”

como “sempre”

 

palavras que já não estão em nós

pois existem em nossa volta

são o nosso ar e o nosso sangue

 

o nosso momento infinito.

VARIAÇÕES PARA UM AMIGO
QUE ME ENDEREÇOU UM REPTO

          “D.Quixote é o Cristo deste tempo” - MT

 

D.Quixote e o burro que são Cristo por ora

Ou o Sancho cavalo andando junto dos quatro

Moinho que Rocinante foi antes de todos eles

Mais a voz de Dona Aldonsa que por seu valor se ergueu

Seja manhã ou tarde ou muito depois de isso

Que vai ou fica no século que se gerou de trás

 

Cristo que por Rocinante se conhece com seu imenso

Tempo de burro como peregrino semi-morto e tenaz

Em frente suas andanças com a póstuma piedade

De ser cavalo no tempo de ser não mais que miragem.

 

Mas agora Quixote e Sancho e Rocinante

E D.Aldonsa e o burro sobre as suas figuras todas

E os gigantes que olham seu testemunho de séculos

Seja nos campos de Espanha seja nos outros lugares

Da erma melancolia para um burro ou um cavalo

Só Quixote só Cristo só  Sancho ou só Aldonsa

 

Que param junto a moinhos no depois de essas vozes

Que se geram de frente como no tempo de outros tantos

Gigantes sempre de antes como miragens valorosas

Peregrinos todos eles como muitos junto de isso.

 

E por Sancho ou por Cristo Quixote se faz tarde

Na manhã do cavalo seu testemunho dos tempos

 

Bem cedo por seus campos no depois do seu burro

Seja em lugares de Espanha ou nos séculos de piedade.

GUITARRA

 a Carlos Paredes

O som das cordas retesadas

e o cântico indistinto abandonado

das cidades na noite que ao encontro

da memória e dos minutos   serenamente

dormem    serenamente esperam

sob a luz que num perfil

de homem ou de animal

sabe que além do rio

há um acorde que nunca cessará

mesmo silencioso

 

ou desfeito.

ELE VOLTA SEGUNDA VEZ E CANTA  

Eu devia ter percebido que afinal tudo estava distante

devia ter notado que algo estava ao contrário

Daquelas palavras não há   e sabe tudo a mau agouro

As navalhas não se colocam daquela maneira

dentro das algibeiras.  Nos versos elas não são assim

São só coisas p’ra espantar, às vezes para servir de pretexto

ou à culpa ou à dor.  Mas  por favor  nunca à justeza dos dicionários.

 

Eu devia ter visto que os pregos ora aparecem ora desaparecem.

Que a coroa de espinhos  e tudo o resto não perdura.

Como não me fui lembrar que podia ser apenas murmúrio ou sufocação?

 

Que fazia eu ali se os mantos  as rendas que cobriam as cabeças

as vestes tão pequenas olhadas lá de cima

mesmo algum garoto que brincava

mesmo as pedras do chão

ou um pássaro que oscilando cruzava o céu   entontecido

ou um grito de um mais impaciente

de repente eram imagem eram ilusão eram miragem

E tudo muito para além de qualquer ideia feita.

Como não me lembrei eu de que a um espanto

se segue provavelmente um arrepio?

 

Há anos que eles empregam termos que só nos perturbam.

Depois vem um grande pedaço de silencio. Depois

há sempre um  ou uma  que executa uma genuflexão

Depois   repara-se que aquilo não podia ser assim

mas é demasiado tarde,  já tudo se desvaneceu

e só ficaram ruínas  ou p’lo contrário folhas cobertas

de uma escrita compacta que é quase impossível esbater.

Um embrulho   dizem-me  e eu viro-me com inocência

Que não,  dizem-me ainda  só podia ser um animal

Ou antes - segredam-me por vezes  -  tudo o que vês

é com toda a certeza uma montanha. E então faço as minhas contas

na cabeça cruzo um esvoaçar talvez um pouco violento

uma busca de algo inconcreto que me vem à memória

uma pena tão funda   tão abandonada   tão

sem adjectivos nem contornos.

 

Eu devia ter reparado que não basta chamar ou ser chamado

As palavras  as melhores as mais exactas

são mesmo essas  umas vezes só secura  outras vezes

longe de tudo 

E é então que se sabe que o ar que nos rodeia

terminou para sempre  É então que se compreende

 

que as coisas não se movem misteriosamente

que as coisas simplesmente   já não estão

nem nos mares nem na terra    nem nas casas

onde se assiste a crimes e a salvações.

 

Talvez ainda vá a tempo,  penso cá para mim,  talvez ainda

possa ver e destrinçar   verbos  e conhecer   substantivos. Que as palavras

tontas e   coitadas   horizontais e verticais    não são

efémeras ou belas,  não são sequer    cintilações

nem tampouco recordações de algo perdido

pois só residem   só se detêm sem que as toquemos

 

não no futuro   não no passado   mas no eterno presente.

Revista TriploV de Artes, Religiões e Ciências, 5, Abril de 2010

   NICOLAU SAIÃO [FRANCISCO GARÇÃO]
 [
Monforte do Alentejo,1949, Portugal]
Poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico. Efectuou palestras e participou em mostras de Mail Art e exposições em diversos países. Livros: “Os objectos inquietantes”, “Flauta de Pan”, “Os olhares perdidos”, “Passagem de nível”, “O armário de Midas”, “Escrita e o seu contrário” (a publicar). Tem colaboração dispersa por jornais e revistas nacionais e estrangeiros (Brasil, França, E.U.A. Argentina, Cabo Verde...).
CONTATO: nicolau49@yahoo.com

 

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