Este
mito foi narrado pelos
poetas Hesíodo e Homero (700
a.C) e por Ésquilo (470 a.C)
Conta
o mito que o Titã prometeu,
filho de Jápeto e de Clímene,
era o responsável pela
divisão da carne das vítimas
do sacrifício entre os
deuses e os homens.
Anteriormente não era
necessária a divisão, pois
os deuses e os homens comiam
juntos.
Prometeu tentou enganar Zeus
ao oferecer-lhe apenas os
ossos de um animal, coberto
por uma atraente camada de
gordura. E reservou para os
homens a melhor carne, como
conta Hesíodo (Trab.,
47-50):
…eis que ele repartiu ao
grande boi
intencionalmente em duas
porções
e
as apresentou para apaziguar
o espírito de Zeus:
Num monte, as vísceras, a
carne
e
os pedaços mais gordos
cobertos com o couro do
animal.
Num outro, perfidamente, os
ossos
Recobertos de toucinho
reluzente.
Zeus,
irado com esse engodo,
retirou o fogo dos homens.
Mas Prometeu penetrou no
Olimpo, roubou uma centelha
do fogo dos deuses e
entregou à humanidade. Como
punição por seu crime, foi
acorrentado a um rochedo e
Hefesto é encarregado, a
contragosto, dessa missão,
com a ajuda de Crato e Bia.
Segundo o Prometeu
Acorrentado de Ésquilo,
1,87:
Contrariado como tu mesmo,
com minério insolúvel
Eu
te prendo neste rochedo
distante dos homens
Onde não encontrarás nem voz
nem forma humana.
Mas, queimado pela clara luz
do sol,
Mudarás a cor do teu corpo.
A noite muito desejada
Com seu manto de estrelas
ocultará a ti a luz,
Para, depois, assim que
romper a aurora,
O sol te atormentar com o
mesmo sofrimento,
Pois aquele que te salvará
ainda não nasceu.
Esses são os frutos
Do teu amor pelos homens.
Prometeu era visitado todos
os dias por uma águia que
lhe comia o fígado; mas toda
noite seu fígado se
recompunha. E Prometeu
acorrentado se queixa
através de Ésquilo:
Veja o que tenho que
suportar dos deuses, sendo
eu mesmo um deus.
É isso que o abençoado nosso
senhor
Me destinou: a ignomínia das
correntes
Ai, meu deus! Esse
sofrimento atual e o do
futuro,
Me fazem gemer da mesma
forma.
Será que algum dia
Haverá fim para o meu
tormento?
Mas o que estou dizendo?
Pois já sei de tudo antes,
Sei exatamente o que será, e
nenhuma dor.
Me poderá pegar
desprevenido.
Tenho de aceitar o fato de
estar pendurado,
É necessário aceitar o
destino com despreocupação;
Pois como se sabe,
De nada adianta contra ele
lutar;
No entanto, calar-me,
Nada sobre ele dizer?
É impossível aceitar ou
renegar o meu tormento!
Zeus também puniu a Epimeteu,
irmão de Prometeu. Fez com
que Hefesto criasse uma
mulher irresistível e Hermes
concedeu-lhe o dom da
palavra e chamou-a de
Pandora, que significa o
presente de todos os deuses.
Zeus enviou Hermes com o
presente para Epimeteu. Este
se esquecera da recomendação
de seu irmão Prometeu, a de
jamais receber um presente
de Zeus, se desejasse livrar
os homens de uma desgraça.
Epimeteu, porém, aceitou e,
só quando o infortúnio o
atingiu, foi que
compreendeu. Epimeteu se
casa com Pandora e recebe o
presente de núpcias. Pandora
abre a Jarra de longa tampa
e dela voam todos os males
que até hoje atormentam os
homens. Só a esperança
permaneceu presa junto às
bordas da jarra, porque
Pandora recolocara a tampa
rapidamente. Assim narra
Hesíodo no seu trabalhos
(trab., 83-89):
Só restou a esperança
Dentro do recipiente.
Oculta embaixo da tampa,
A esperança não pôde sair
Antes que a tampa
Fosse recolocada sobre a
jarra.
Mas tarde Prometeu foi
libertado por Heracles que,
numa de suas incursões, o vê
acorrentado a um rochedo,
Heracles primeiro mata a
águia, mas hesita em soltar
prometeu porque as
exigências de Zeus deviam
ser atendidas: o Titã teria
que contar o segredo que
havia descoberto da deusa
Têmis e teria também que ser
substituído por outro deus,
disposto a descer do reino
dos mortos. Prometeu então
contou a Zeus que, segundo a
profecia de Têmis, do seu
relacionamento com Tétis, a
deusa do mar, nasceria o seu
substituto.
O centauro Quíron, filho de
Íxion, se oferece para
descer ao reino dos mortos e
lega a Prometeu a sua
imortalidade. Prometeu pôde
assim ascender ao nível dos
deuses.
A despeito do seu ódio, Zeus
renunciou ao ressentimento
contra Prometeu, que entrara
em luta com os desígnios do
impetuoso filho de Crono.
(Teog., 533-534).
No início os deuses e os
homens comiam juntos,
comungavam do mesmo alimento
porque não havia diferença
entre os deuses e os homens,
isto é, não havia a
separação entre ego e Self.
Também não havia a diferença
sexual; homens e mulheres
eram iguais.
O mito de Prometeu começa na
Idade de Ouro, e descreve o
estado paradisíaco de
indiferenciação inicial, no
qual o Self e o ego estão
unidos numa totalidade,
antes do nascimento da
consciência. O comer junto
tem o significado simbólico
de comunhão pacífica e
ausência de conflito e
tensão, características do
estado simbiótico do
desenvolvimento humano.
Nessa época, os seres
humanos eram imortais e
todas as necessidades eram
satisfeitas, antes mesmos de
serem percebidas. Este fato
mítico descreve a realidade
psíquica da ausência da
consciência, o estado primal
do qual não há uma
consciência que perceba e,
portanto, não existe a noção
de espaço e tempo.os homens
são atemporais, imortais não
há acontecimentos, pois o
espaço e o tempo são
conceitos que estruturam a
realidade.
O mito de Prometeu narra a
história do nascimento da
consciência e da saída do
estado paradisíaco –
narcísico de totalidade, do
estado natura, pré-histórico
do homem, e a sua entrada no
processo civilizatório, o
seu ingresso na cultura.
Prometeu é o herói
civilizador que possibilita
ao homem a mudança da
pré-história para a
história; por isso, pode ser
considerado o pai dos
homens.
O mito continua, dizendo que
depois de algum tempo a
carne era dividida entre os
homens e os deuses. Prometeu
era o responsável por essa
divisão. Com o processo de
desenvolvimento psicológico,
o ego, lentamente, começa a
ser separar-se do Self, mas
ainda mantém uma identidade
básica com este. Prometeu,
neste momento, representa o
eixo ego-Self, que mantém a
ligação entre o ego
emergente e o arquétipo da
totalidade. Prometeu faz a
ligação entre o Self e a
consciência, é ele o
responsável pela
distribuição da carne entre
os deuses e os homens.
No decorrer do
desenvolvimento, emerge a
consciência do ego e assim
se instala o conflito entre
as polaridades ego-Self. O
ego emergente necessita
reter energia para o seu
crescimento e isto provoca
tensão dentro da realidade
unitária. A saída do estado
de indiferenciação psíquica
é o impulso natural, mas é
sentida como desconforto e
tensão porque causa uma
quebra de equilíbrio
homeostático, no estado de
Nirvana.
Existe dentro do psiquismo
tanto o impulso para sair da
indiferenciação quanto o
desejo de manter o estado de
totalidade. Prometeu engana
Zeus (Self) reservando para
o homem (ego) a melhor
carne. Ele sabe que o homem
precisa de alimentação
(energia) melhor e mais
forte. A consciência
emergente necessita tirar do
Self energia para o seu
crescimento e isto tem o
significado simbólico de
roubo.
O mito narrado por Hesíodo
diz que o alimento dividido
entre os homens e os deuses
era o produto de um
sacrifício. O ato do
sacrifício, simbolicamente,
já pressupõe a separação
entre aquele que sacrifica e
oferece o sacrifício e o
outro que o recebe. Dessa
forma, já existe uma divisão
dentro da totalidade, uma
rudimentar consciência do
ego, que percebe a separação
e deseja permanecer ligado à
fonte original. Ao mesmo
tempo, essa separação é
sentida como um sacrifício
necessário para o
desenvolvimento do ego.
O sacrifício é o símbolo da
renuncia aos vínculos
naturais por amor ao
espírito e à divindade. O
sacrifício também pressupõe
a idéia de troca de energia
criadora ou espiritual. O
ego emergente, por amor ao
Self, deseja fazer a
renuncia de sua ligação
estreita com a natureza e
manter o intercâmbio
espiritual com a sua fonte
criadora. Segundo Jung, o
sacrifício animal simboliza
a renuncia ao que existe de
animal, primitivo e
puramente instintivo na
natureza humana.
O que era oferecido aos
deuses, em sacrifício, era a
carne dos animais. No
oferecimento de um bem
material há o desejo de
receber em troca um bem
espiritual. O nascente,
impulsionado para a
diferenciação deseja manter
não só a sua ligação com o
Self, mas também o
intercâmbio entre a energia
instintiva e a espiritual.
O sacrifício também está
ligado à idéia de
apaziguamento do conflito
entre opostos. A saída do
ego da totalidade
indiferenciada gera tensão e
isto traz sofrimento e dor.
Portanto, existe também no
ego o desejo de voltar ao
estado de ausência da tensão
e da dor, através do
sacrifício do seu impulso em
direção ao crescimento.
À medida que o ego se
diferencia mais a mais da
totalidade original, tende a
se acentuar o conflito entre
os opostos e cada pólo
procurará reter maior
quantidade de energia em seu
interior. Prometeu engana
Zeus, reservando a melhor
carne para os homens, e
Zeus, irado diante do
engodo, retira o fogo dos
homens. Hesíodo narra esta
passagem no seu trabalho:
Zeus te ocultou a vida no
dia em que, com a alma em
fúria, se viu ludibriado por
Prometeu de pensamentos
velhacos.
Desde então ele preparou
para os homens tristes
cuidados, privando-os do
fogo.
(trab., 47-50)
O fogo antes era
compartilhado entre homens e
deuses. Não havia tensão e
conflito dentro da realidade
unitária. Com a
diferenciação surge a tensão
e a divisão da energia entre
os opostos, o que gera
conflito.
Este fogo do qual Zeus priva
os homens tem a qualidade da
energia criadora e
espiritual do Self. O ego se
vê privado do fogo criador
para a construção e
iluminação da consciência,
pois o fogo é a manifestação
ígnea da luz. O simbolismo
do fogo marca a etapa da
saída do homem da natureza,
do estado de animal
pré-histórico e de
participation mystique,
e a sua entrada no mundo da
cultura. O homem faz a sua
diferenciação do estado
natural através do
desenvolvimento da
consciência simbólica.
Segundo Paul Diel, o fogo
terrestre simboliza o
intelecto, isto é, a
consciência com toda a sua
ambivalência. O natural para
o cultural.
A consciência humana percebe
a divindade como ambígua;
aquela que provê, mas que
também priva. Zeus retira o
fogo dos homens, os priva do
conhecimento, do poder
criador, que anteriormente
havia doado. Muitas vezes o
Self priva o ego de algum
bem, para que este
desenvolva outro potencial
que necessita de
desenvolvimento. O Self
retira para poder doar. Os
deuses são percebidos pelo
homem como possuidores de
uma natureza dupla, na sua
onipotência. Os deuses são
capazes de grandes doações e
de provocar grandes
privações.
O fogo é a representação da
energia psíquica criadora,
formadora e transformadora.
Quando Zeus retira o fogo do
homem, ele se vê privado
desse potencial de
transformação e teme o seu
destino. O ego se vê privado
da potencia fálica vital
quando faz a separação do
Self e teme pela sua
sobrevivência.
O fogo está associado à
idéia de vida e, por esse
motivo, é o representante
simbólico da libido. Para a
maior parte dos povos
primitivos, o fogo é um
demiurgo proveniente do sol
que dá origem à vida e
confere força e saúde. Os
alquimistas consideravam o
fogo como o elemento atuante
no centro de todas as
coisas, fator de unificação
e de fixação.
Prometeu sabe que o homem
(ego) necessita do fogo,
como a energia formadora da
individualidade, o princípio
que centraliza o poder da
vontade, da objetividade, da
finalidade, matéria-prima da
qual é forjado o ego. Gaston
Bachelard lembra que o fogo
é o primeiro objeto, o
primeiro fenômeno sobre o
qual o espírito humano
refletiu; entre todos os
fenômenos, só o fogo merece,
da parte do homem
pré-histórico, o desejo de
conhecer pelo fato de se
fazer acompanhar do desejo
de amar.
Para Bachelard, o amor é a
primeira hipótese científica
para a reprodução objetiva
do fogo. Para J.
Laplanche, o fogo é a
metáfora primordial da
sublimação.
O fogo está ligado à origem
do pensar, à origem do
conhecimento e ao nascimento
do homem como ser pensante e
da linguagem. O homem busca
o conhecimento. Prometeu
busca o fogo para o homem.
Por isso se diz que Prometeu
é o pai dos homens: porque é
ele que, através de sua
doação, possibilita ao homem
a sua transformação de ser
puramente natural no ser que
tem consciência de sua
existência, um ser apartado
da totalidade, mas que é
também parte desta. Prometeu
dá, como prêmio ao homem, a
linguagem: agente
transformador do elemento
natural em elemento
cultural.
Prometeu penetrou no Olimpo,
roubou uma centelha do fogo
dos deuses e a entregou à
humanidade. Ele rouba a
libido dos deuses, o poder
fálico criador. Ele é
chamejante, o portador do
fogo do conhecimento.
Prometeu tirou a centelha de
fogo dos deuses, a escondeu
na haste oca de uma planta e
a trouxe para a terra, para
os homens, isto é, para a
consciência. Ele rompe
definitivamente o estado
paradisíaco quando rouba o
fogo dos deuses, assim como
Eva que colheu o fruto
proibido. Ele retira o poder
fálico criador do Self,
representado pela haste oca,
e a traz para a consciência.
Prometeu traz para a posse
da consciência o potencial
criador contido no Self.
Freud vê no roubo do fogo
por Prometeu a conquista do
fogo pelos homens
primitivos. O homem tem que
“roubar” o fogo do céu, do
Olimpo, porque ainda não
sabe como produzi-lo. Para
Freud, o modo como o fogo é
transportado por Prometeu
depois que o roubou dos
deuses mostra a evidência do
símbolo do pênis, pelo fato
de a haste ser oca. Freud
diz: “o que foi transportado
foi a água e não fogo, mas o
mito utilizou a mesma
inversão dos elementos que o
sonho utiliza.”
Assim, para Freud, o
transporte do fogo seria o
transporte da água. O que
Freud quer provar é que a
água teria a função de
sublimação, de apagar o fogo
sexual. Portanto, para
Freud, Prometeu traz a
necessidade da repressão dos
instintos em prol da
civilização. Freud vê
Prometeu com um papel
civilizador.
Prometeu traz no significado
de seu nome a ligação da
idéia do fogo com o
conhecimento. Ele é aquele
que conhece por antecipação,
o pré-vidente, o
premeditador. Segundo Junito
de Souza Brandão, o nome
Prometeu é formado de Pró,
que significa antes de, por
antecipação, e Mêthos,
que quer dizer ver,
observar, pensar, saber, com
o acréscimo do sufixo éus.
Este dado etimológico
mostra que o mito de
Prometeu está ligado à
origem da consciência, à
origem do conhecimento, Ele
traz para o homem o
potencial para conhecer, que
o tira do estado natural e o
coloca diante da tarefa de
construir a civilização.
Prometeu é, por isto, o
representante do pai
primordial. Ele é um Titã, o
detentor do poder fálico,
que leva os filhos, através
de sua interferência, a sair
da condição paradisíaca de
gozo absoluto, da
onipotência fálica. Ele é do
ponto de vista do homem
(filho), aquele que não
sofreu a castração, mas que
leva os filhos à vivencia da
lei da castração, à quebra
da onipotência.
Freud no seu trabalho “A
aquisição e o Controle do
fogo” de 1932, diz que
prometeu não é um herói do
gozo e da transgressão; ao
contrário, é o herói da
renúncia. Ele renuncia ao
gozo, que consiste em
extinguir o fogo. São os
deuses que são enganados: o
id em cada um de nós. É o id
que Prometeu engana ao
privá-lo de seu gozo
absoluto, para lhe impor uma
renúncia definitiva. Para
Freud, Prometeu renuncia ao
instinto e mostra o quanto
pode ser benéfica esta
renúncia para os propósitos
da civilização.
Jung diz que Prometeu é
descendente dos Flégias, as
águias de fogo. Ele mostra
que a origem de Prometeu
está ligada à origem do
pramantha, que também
descende dos Flégias. Assim
Jung demonstra a relação de
parentesco simbólica entre
Prometeu e o pramantha.
Segundo Jung, o
pramantha é um
instrumento do Manthana; o
sacrifício do fogo entre os
hindus. O sacrifício do fogo
possui, também, um
significado sexual além do
espiritual. O pramantha
representa o falo; o pensar
e o conhecer espiritual.
Prometeu é o portador
do conhecimento sexual e
espiritual: é o portador do
falo.
Existem associações muito
antigas entre o falo, o
fogo, o prazer sexual e o
prazer ligado à alimentação.
Na experiência da criança
todos estes elementos estão
estreitamente unidos. No
mito de Prometeu, o fogo e o
alimento eram compartilhados
entre homens e deuses antes
da quebra da totalidade.
Homens e deuses
compartilhavam o gozo
fálico, que reúne e
sintetiza todas as formas e
variantes do prazer, o
prazer absoluto. É esta
vivência do prazer sem
limites que o homem tem que
abandonar para fazer a sua
entrada na civilização, que
o coloca como um ser sujeito
à lei da castração: o
sujeito da cultura.
O fogo, como representante
do falo, está ligado à
palavra. Tanto o fogo quanto
a palavra possuem um aspecto
transformador, criador e
civilizador; e, por assim
serem, colocam o homem
dentro da civilização,
demarcando a diferença entre
os homens e os animais.
Prometeu é o portador do
fogo-falo civilizador do
homem. Ele leva o homem a
sofrer o interdito da
castração, a deixar de ser o
falo, para poder ter o falo.
Prometeu traz para o homem
uma centelha do fogo dos
deuses na haste oca de uma
planta. Ele dá ao homem a
posse do falo criador, o
potencial transformador, com
a condição de que o homem
renuncie a onipotência.
Prometeu é o próprio fogo
que traz a meditação entre
os homens e os deuses. O
falo e o fogo são agentes
civilizadores que desligam o
homem da natureza e o levam
a vivência do cultural.
Entre os hindus, é o fogo
que leva o sacrifício até os
deuses. O fogo é um mediador
entre os homens e os deuses.
Em sânscrito, Agni é tanto o
nome para o fogo quanto para
o próprio deus Agni,
personificado no fogo.
Existe uma relação simbólica
entre Prometeu e Agni. O
fogo entre os hindus é o
próprio sujeito e objeto do
sacrifício. Agni
sacrifica-se imola-se e
oferece o sacrifício a si
mesmo. Nesta imagem
arquetípica está contida a
relação simbólica entre
Prometeu e Agni. Prometeu,
expondo-se ao castigo de
Zeus de seus atos, toma o
lugar do objeto do
sacrifício, imola-se por
amor aos homens. Prometeu
sacrifica-separa salvar os
homens da escuridão, para
lhes levar o fogo, a
consciência, o conhecimento.
Ele é o salvador da
humanidade. Prometeu, aqui,
representa o desejo o desejo
do self, uma parte deste que
faz a renúncia à vivência da
totalidade para que seja
possível despertar da
consciência como experiência
humana.
O mito grego antecipa, na
figura de Prometeu, o cristo
como salvador da humanidade
que, por amor aos homens,
oferece-se em sacrifício.
Prometeu é sacrificado, é
amarrado a um rochedo, como
Cristo foi pregado na cruz.
Ele fornece aos homens um
modelo, submetendo-se à Lei
do Pai; renuncia à
onipotência e aceita o seu
interdito que proíbe a
ultrapassagem do métron.
Prometeu aceita viver a
castração necessária à sua
humanização.
Pendurado entre o céu e a
terra, ele deve encontrar a
sua medida e, através de seu
exemplo, levar o homem a
encontrar também o seu
métron. O homem sente-se
agrilhoado à natureza e ao
instinto enquanto não
encontra o seu caminho de
humanização, de vivência de
seu potencial criativo.
O rochedo é a representação
da condição humana. O homem
não pode mais fazer o
caminho de volta à vida
puramente instintiva nem
pode aspirar a se equiparar
aos deuses. Mas tem a tarefa
de encontrar a sua
realização, a expressão do
seu potencial criativo na
vivência humana.
Pendurado entre o céu e a
terra, Prometeu lembra que o
homem deve encontrar o
caminho do meio como
possibilidade de realização
de sua humanidade, sem
esquecer a sua condição de
animal natural e a sua
participação na condição
divina. Aqui está o grande
desafio mostrado pelo herói
grego, que aponta para o
homem o caminho do meio. Com
a aquisição da consciência,
o homem deve viver as duas
polaridades; a instintiva e
a espiritual, dentro de uma
medida justa e harmoniosa.
Prometeu acorrentado é a
imagem apropriada do
sentimento de limitação e
impotência, depois da
castração e antes da
conscientização do potencial
criativo. Ele é o
representante da condição
humana em face do universo e
dos poderes divinos. O ego,
num determinado momento de
seu desenvolvimento, com a
perda da onipotência,
percebe-se pequeno e
impotente diante do poder do
pai, impedindo de obter o
prazer absoluto, o prazer
fálico. Só mais tarde o ego
toma consciência da sua
capacidade expressiva e de
realização criativa, e assim
pode superar o sentimento de
castração.
A águia de Zeus é o símbolo
da consciência penetrante
que lembra ao herói a sua
limitação, o seu métron,
a sua ferida da castração. A
águia relembra a Prometeu os
seus limites e faz com que
ele, através de sua dor
aceite a sua humildade e se
torne mais humano. A dor é o
elemento que possibilita a
quebra da onipotência. A
águia como símbolo de Zeus
tem uma íntima relação com a
flecha e o raio, que são
instrumentos
discriminatórios.
A águia é a representação da
Lei do Pai, cuja função é
manter a repressão dos
desejos incestuosos. As aves
de rapina também estão
associadas ao lado negativo
do masculino, que rouba
energia. O processo de
repressão de um conteúdo
exige o dispêndio de energia
que é subtraída da
consciência. A águia, ainda
em seu aspecto negativo,
representa os pensamentos
destrutivos que paralisam,
devoram e impedem a
criatividade.
A imagem utilizada pelo mito
para simbolizar a castração
é o fígado devorado pela
águia. Mas por que o fígado?
Porque o fígado era
considerado, nas culturas
antigas, a sede das paixões
e dos desejos; assim a
castração tinha que ser
feita nesse órgão. O fato de
o fígado do herói ser comido
durante o dia e ser
restaurado à noite indica
que a consciência está
ciente da sua ferida, mas o
que o inconsciente
providencia, à noite, a
mobilização de restauradores
para o sentimento de
impotência, e isto tem o
efeito de cura. A ferida sem
cura de Prometeu simboliza a
ferida da castração, da
perda do estado de
totalidade original, que não
pode mais ser recuperado, a
não ser que se pague o preço
da alienação e da loucura.
O fígado é o órgão escolhido
pelo mito para simbolizar a
ferida da castração e o
processo de construção da
força egóica através da
aceitação da castração e a
superação dos sentimentos de
impotência e inferioridade.
O fígado é, portanto, o
órgão que está ligado à
coragem e à vontade;
características do ego-herói.
Segundo Paul Diel, o fígado
corroído de Prometeu é o
símbolo de culpa reprimida.
O fígado
devorado tem ainda o
significado de domesticação
dos instintos, da força
bruta e da vontade
onipotente.
Em relação ao problema do
métron, outro aspecto
importante apontado pelo
mito é que só pode
estabelecer limites, isto é,
exercer a função paterna,
aquele que passou pela
experiência da castração,
que se submeteu à Lei do Pai
e encontrou a sua medida;
mas que também conseguiu
obter a redenção através da
realização do potencial
criativo do Self, tendo o
ego com veículo da
atualização e executor da
vontade do Self no mundo.
Hefesto é o deus enviado por
Zeus para aprisionar
Prometeu. É um deus coxo que
traz este padrão de redenção
criativa, porque passou pela
prova da castração e
conseguiu empreender o
caminho criativo de
realização egóica, onde são
unidas as polaridades do céu
e da terra.
Zeus emperrou Hefesto do
Olimpo para a terra, para
dimensão do humano, por ter
cometido o pecado da Hybris,
a arrogância de se opor a
Zeus, ao Nome do Pai. Com a
queda, isto é, com a perda
da onipotência, ele fica
coxo; sofre a experiência da
castração, que o marca para
a vida toda.
Através de longo processo
iniciático, de aprendizagem
e desenvolvimento do ego,
Hefesto torna-se o mais
engenhoso dos filhos de
Zeus. Ele aprendeu a moldar
o ferro e o bronze, criando
belas formas, e a trabalhar
os metais preciosos,
tornando-se o joalheiro
preferido dos deuses.
Hefesto molda a matéria e
obtém o acesso ao potencial
criativo do Self. É um deus
alquimista que, através do
trabalho na matéria, busca a
transformação psíquica e
espiritual, a sua
transcendência. Este padrão
arquétipo fornecido por
Hefesto mostra que o homem
pode alcançar a sua
transcendência e
espiritualização através da
sua ação no mundo material,
isto é, por meio da
construção e fortalecimento
do ego.
Segundo Hesíodo (Teog.,
945), Zeus, para compensar
Hefesto, dá-lhe em casamento
a própria beleza, Afrodite,
a deusa do amor. É através
da aceitação da própria
imperfeição que se pode
fazer a conquista de um bem
maior, como a busca da
totalização.
Hefesto, por meio do
trabalho criativo, obtém o
acesso ao potencial do Self
e realiza a sua
transcendência. O deus
alquimista, apesar de sua
mutilação, a marca da
castração, não deixa de ser
valente, destemido e de
tomar parte ativa nos
combates. A castração é uma
mutilação que inutiliza, mas
a ferida necessária por meio
da qual o ego pode ser
forjado.
Hefesto fornece o padrão
arquétipo para a construção
criativa da consciência e da
força do ego.Ele não recusa
o confronto com a vida e,
assim, coloca o potencial
egóico a serviço de sua
realização.Ele se reconcilia
com Zeus através do trabalho
criativo. O homem se
reencontra com Deus através
de sua vivência criativa.
Para realizar o trabalho
imposto por Zeus, o
aprisionamento de Prometeu,
Hefesto, como não é um deus
violento que usa o poder
para submeter o outro, tem
que pedir ajuda de Bia e de
Crato. Bia representa a
violência e seu irmão Crato
personifica o poder. Hefesto
realiza este trabalho a
contragosto, mas reconhece o
seu significado e a sua
necessidade. O deus que
passou pela prova de
castração sabe que é
necessário conhecer a
própria medida para poder,
mais tarde, criar.
Prometeu depois da revolta
inicial contra seu castigo,
aceita e resigna-se
finalmente ao seu destino, à
sua hamartia; e
adquire o entendimento de
sua Felix Culpa que
leva a trilhar o caminho de
sua redenção. Ele não se
rebela mais e finalmente se
submete à Lei do Pai. O
longo período que permanece
amarrado corresponde ao seu
processo iniciático, ao
tempo necessário para o seu
desenvolvimento. Ele fornece
ao homem o modelo de
aceitação da Lei do Pai para
a construção da
individualidade.
Terminado o tempo de sua
iniciação, Prometeu é
libertado por Heracles, que
também cumpria um trabalho
iniciático e que não foi só
o maior dos heróis, mas,
igualmente, o mais humano de
todos eles. O trabalho do
homem na busca da construção
do ego e de sua
individualização leva à
libertação do deus; do
arquétipo que serve como
padrão. Mas, antes de
libertar Prometeu, Heracles
deve obedecer às exigências
de Zeus; deve fazer o
conhecimento da existência
de um poder maior que o ego,
isto é, a realidade do Self,
representado por Zeus e
diante do qual o ego deve se
curvar. O reconhecimento do
Self por Heracles serve de
ensinamento para Prometeu,
que faz, a renúncia da
onipotência, do uso do
poder.
Prometeu guardava um segredo
sobre Zeus, que havia
descoberto da deusa Têmis. O
segredo é um sinal da
participação no poder.
Assim, a posse deste segredo
conferia ao herói a
participação no poder da
Grande-Mãe, pois fora Têmis,
uma Grande-Mãe, que havia
contado o segredo. Prometeu
sabia que o destino dos
deuses dependia desse
segredo. Têmis lhe contara
que um filho de Zeus,
concebido pela deusa do mar
Tétis, o destronaria.
O herói tinha o conhecimento
da revolta das deusas
matriarcais contra o poder
da consciência patriarcal e
isto conferia poder sobre o
rei do Olimpo e cumplicidade
com as Grandes-Mães. Só
quando resolve renunciar ao
vínculo com a consciência
matriarcal e à onipotência é
que ele pode ser libertado
das cadeias que o prendiam à
natureza, ao matriarcado.
Prometeu realiza o
sacrifício de renúncia à
participação no poder
matriarcal e, assim, está
pronto para se transformar,
E Zeus também se transforma,
aprende a renunciar e
sacrifica o seu amor por
Tétis.
A transformação do herói
sempre causa uma modificação
no arquétipo. Desta maneira,
uma mudança importante
ocorre: o princípio de
realidade substitui o
princípio do prazer. O
prazer pode ser adiado ou
contido em função de um bem
maior. Zeus renuncia ao
desejo imediato para não
perder o seu reinado. O
princípio de realidade é,
agora, o regente da
consciência.
Heracles mata a águia com
uma flecha. O processo de
vivência da castração se
completou e não é mais
necessária a repressão
imposta do exterior. O ego
já pode aceitar os seus
limites, a sua medida, fazer
a renuncia ao princípio do
prazer e permitir a regência
do princípio da realidade.
Mas havia, ainda, uma
segunda exigência de Zeus:
que um deus substituísse
Prometeu.
…Um deus
predisposto a descer à noite
do Hades,
à garganta escura do Tártaro
É Quíron, o mais justo e
humano dos centauros, que se
oferece em sacrifício para a
salvação de Prometeu. Quíron
tinha corpo e patas de
cavalo e o torso e os braços
de homem. O cavalo
representa a vitalidade no
seu estado mais primitivo, a
energia instintiva e a
libido selvagem, mas, no
entanto, capaz de ser
domesticada. O cavalo, por
ser um animal domesticável,
representa o instinto
canalizado e cultivado. E o
centauro, metade homem e
metade animal, representa a
humanização do instinto, a
harmonização daquilo que o
homem tem de animal, isto é,
a reunião da civilização com
a natureza.
O cavalo está
freqüentemente associado com
a Árvore do Mundo, que liga
o humano com as regiões
superiores e inferiores e
aos domínios da morte.
Quíron representa a
possibilidade de reunião
desses três níveis e, por
este motivo, é ele que se
oferece em sacrifício para
substituir Prometeu. Quíron
é o arquétipo que é
constelado para representar
a promessa de reunião das
polaridades no processo de
individualização.
Quíron possuía uma ferida
incurável numa das pernas,
ocasionada por uma das
flechas de Héracles, e
desejava morrer para
terminar os seus
sofrimentos. O mesmo herói
que o fere faz a
intermediação entre Quíron e
Zeus. Héracles intercede
junto a Zeus para que aceite
a troca de Prometeu pelo
médico ferido.
Esta passagem mítica tem um
grande valor psicológico:
aquele que fere é que
propicia também a
oportunidade de cura e de
transformação; e, muitas
vezes, é preciso ferir para
poder curar. Quíron ferido
por Héracles ocupa o lugar
de Prometeu para que seja
redimido.
Quíron também se submeteu à
lei da castração, ele é o
deus que conhece o
sofrimento, pois viveu a dor
em si mesmo. Ele
humildemente se entrega à
experiência da dor, assim
como o Cristo fará mais
tarde.
Quíron torna-se o símbolo do
médico ferido que é capaz de
curar porque conhece a dor.
E porque buscou a cura para
a sua própria ferida
incurável, se enriqueceu com
a experiência e assim pôde
curar por meio da sua
vivência. O símbolo do
médico ferido mostra a
necessidade da aceitação das
feridas, isto é, da
imperfeição, para
possibilitar a busca da
transformação e do
aperfeiçoamento psíquico.
Quíron se oferece em
sacrifício pela libertação
de Prometeu e para sua
própria libertação, pois já
viveu a sua dokimasia:
o conjunto de provas pelas
quais teve que passar. O
mito também diz que um valor
psíquico é sempre
substituído por outro:
Quíron substitui Prometeu.
Nunca fica uma lacuna no
psiquismo.
O sacrifício de Quíron
também traz o significado do
apaziguamento da tensão
entre os opostos, entre o
ego e o Self, entre Prometeu
e Zeus. Na resolução de um
conflito, alguma coisa tem
que ser sacrificada. O
médico ferido mais uma vez
aceita viver a experiência
humana, como Cristo, para
poder compreender, curar e
ensinar; por isto, foi
considerado o maior educador
dos grandes heróis, tais
como Jasão, Héracles e
Asclépio. Quíron busca e
aceita a morte
voluntariamente.
O sacrifício tem o poder de
transformar tanto aquele que
realiza o sacrifício quanto
aquele que o recebe. Tanto o
homem quanto o deus se
transformam. Prometeu aceita
que Quíron o substitua e
viva a experiência da morte.
O deus toma o lugar do herói
e, assim fazendo, permite a
libertação de Prometeu, para
que este viva a sua
individuação.
Quíron ocupa o lugar de
Prometeu, morre depois de
nove dias e Zeus o
imortaliza, transformando-o
na constelação do Centauro.
Ele mostra com sua
experiência que é preciso
morrer para poder renascer
transformado. O educador dos
heróis renuncia a sua
imortalidade e produz a sua
cura, a cicatrização da
ferida da castração e do
sentimento de impotência.
Ele indica com seu exemplo
que o abandono da
onipotência leva o caminho
da cura. E mais tarde se
torna novamente imortal,
porque realizou a sua
transcendência, a sua
espiritualização.
Prometeu foi libertado com a
condição de que deveria usar
um anel de aço, símbolo de
sua passagem pela castração,
da sua submissão à Lei do
Pai e da aceitação da sua
humildade e humanidade.
E Prometeu, liberto das
cadeias que o prendiam à
natureza, pode caminhar da
natureza para a cultura.
Mais tarde também se torna
imortal, porque viveu a
experiência humana e desejou
a sua espiritualização, o
reencontro com o Self.
O mito diz ainda que, além
do castigo imposto a
Prometeu, Zeus também puniu
seu irmão Epimeteu. E como o
próprio nome significa,
Epimeteu quer dizer "o que
pensa e aprende depois". Ele
é a polaridade oposta de
Prometeu, "o que pensa e
reflete antes".
Zeus também pune Epimeteu.
Um acontecimento psíquico
geralmente afeta a psique
como um todo, em suas
polaridades. Com a saída do
estado de totalidade
indiferenciada, o psiquismo
sofre uma fragmentação,
expressa no surgimento das
polaridades. Prometeu e
Epimeteu são os irmãos
simbólicos, representantes
dos pólos opostos da psique.
Prometeu representa a
prudência, o agir
consciente, e Epimeteu a
imprudência e a
impulsividade.
Prometeu, o previdente, o
que pensa antes, havia
recomendado ao irmão não
receber nenhum presente de
Zeus. Mas Epimeteu, o
imprudente, age sem pensar e
aceita o presente do deus do
Olimpo, a bela Pandora.
Os presentes sempre
assinalam a inauguração de
um novo ciclo, de uma nova
era. O ato de presentear
mostra o desejo de
compartilhar um momento
importante, significativo.
Portanto, aquele que recebe
o presente está, de alguma
forma, de acordo com essa
comemoração. Prometeu neste
momento representa a
polaridade que recusa a
entrada no novo ciclo, e
Epimeteu, a que aceita.
A oposição criativa das
polaridades representada nos
irmãos é expressa, em
maiores detalhes e nuanças,
através do símbolo dos
gêmeos, presente em várias
culturas e mitologias. A
difusão dessa imagem
simbólica reflete o
interesse que desperta a
questão da dualidade. Os
gêmeos representam a
ambivalência da psique
humana e são o símbolo das
oposições interiores e
exteriores, introvertidas e
extrovertidas, conscientes e
inconscientes, espirituais e
materiais, que provocam a
tensão criativa. A imagem
gemelar representa a
dualidade do ser depois da
perda da totalidade.
Na mitologia de várias
culturas é constante a
narração dos feitos de
gêmeos como Castor e Pólux,
os Dióscuros , os Axvins.
Para os Maias a própria
totalidade é dividida em
dois, como mostra a língua
do deus do milho.
A dualidade dos gêmeos
simboliza o movimento oposto
da libido, o caráter
ascendente e descendente,
como o próprio movimento do
Sol, que nasce e se pôe
todos os dias. Os opostos
possuem um caráter
compensatório que tem por
finalidade manter o
equilíbrio psíquico,
corrigindo a
unilateralidade.
Prometeu e Epimeteu são os
irmãos que representam as
direções opostas da libido.
Enquanto Prometeu está
voltado para a preparação do
caminho de diferenciação,
mas de forma talvez mais
passiva e reflexiva,
Epimeteu ativamente põe em
ação o desejo do Self de
construção da consciência.
Epimeteu expressa a
tendência do ego para o seu
crescimento e fortalecimento
através do confronto com os
desafios do mundo. Epimeteu
realiza em ação aquilo que
foi preparado em
amadurecimento e reflexão
por Prometeu. Ele não teme
os perigos do mundo e
arrisca-se no exercício de
sua diferenciação, na
construção dos limites e
fronteiras que demarcam o
território da sua
individualidade e
individualidade do outro.
Epimeteu não recusa os
desafios necessários ao seu
desenvolvimento. Ele não
recusa o presente de Zeus,
que corresponde ao desejo do
Self. Epimeteu aceita
Pandora e, ao aceitá-la,
demarca definitivamente a
diferença entre o eu e o
outro, com isto assume a
consciência da diferença
sexual, uma vez que Pandora
é mulher e, portanto, é o
outro para Epimeteu.
Apesar da recomendação de
Prometeu, o seu irmão não só
aceita o presente de Zeus –
a possibilidade da
discriminação dos opostos e
da diferenciação sexual-,
mas também toma Pandora em
casamento. E assim fazendo
define a aceitação da sua
identidade sexual e do
outro, o que permite o seu
relacionamento criativo com
os opostos.
Epimeteu também aceita o
presente que Pandora trouxe,
enviado por Zeus. Ele aceita
compartilhar e realizar o
desejo do self de
diferenciação da
consciência. Abre a caixa
enviada por Zeus, o que
demarca cada vez mais a
consciência das diferenças,
pois a caixa contém as
polaridades, o positivo e o
negativo, o bem e o mal. Com
este gesto, Epimeteu faz a
conquista da humanização
para si mesmo e para o
homem. Faz um gesto
correspondente ao de Adão e
Eva, comer o fruto da Àrvore
do conhecimento. Desta
maneira, ele realiza o corte
definitivo com a totalidade
primária.
Quando Epimeteu abre a
caixa trazida por Pandora,
realidades até então
desconhecidas para o homem
espalham-se pelo mundo. O
homem amplia a sua
consciência, o seu
conhecimento sobre o mundo
real, e descobre a realidade
em sua transparência e
desfaz as idealizações,
adquirindo assim uma visão
mais objetiva do real. Ele
agora percebe a realidade
como ela é, e não mais
através do jogo de suas
fantasias. Pandora traz a
possibilidade do
desvelamento, da verdade, da
alethea. O que escapa
da caixa não são os males do
mundo, mas a realidade como
ela é, como expressão de
jogos de opostos.
A esperança foi a única que
não conseguiu escapar,
porque ficou presa na tampa
da caixa. O homem tem em
mãos este bem, a esperança
de busca da totalidade por
meio do processo da
individualização. Zeus doa à
humanidade a esperança de
totalização, o que
corresponde ao desejo do
self. Quando o ego não
realiza o seu potencial no
mundo, ele contraria os
desejos do Self e impede a
expressão deste através da
cada individualidade. E para
estar no mundo como
indivíduo que busca, é
necessário estar aberto e
disponível para o
inesperado. A esperança
corresponde a uma atitude de
espera do inesperado. Como
diz Heráclito no seu
fragmento 18:
Se não se espera, não se
encontra o
Inesperado, sem caminhos de
encontro
Nem vias de acesso.
Pandora é a mediatrix,
e representa a tentativa da
psique de manter a
comunicação entre o ego e o
Self. Pandora, como símbolo
mediador, traz um presente
do Self para o ego, de Zeus
para Epimeteu, que o ajudará
a realizar o desenvolvimento
da consciência. Ele traz a
possibilidade da conjunção
entre os homens e os deuses,
entre o céu e a terra, entre
o espiritual e material,
entre o masculino e o
feminino, entre o homem e a
mulher.
Pandora é uma manifestação
transcendente e feminina do
Self, que possibilita e
atualiza no mundo a fonte
interna da criatividade. O
gesto de Pandora promove a
comunicação entre o mundo
interno e externo, entre o
inconsciente e consciente.
Ela é a representação da
anima e, como tal,
precipita, através de sua
ação, uma série de
acontecimentos que fazem o
mito atingir o seu ápice e a
sua finalidade. Pandora é o
elemento unificador dos
opostos, o símbolo da união
das polaridades.
No Prometeu e Epimeteu,
de Carl Spitteler, Jung
viu a expressão simbólica da
tendência extrovertida e
introvertida. Segundo Jung,
Prometeu representa o tipo
introvertido, fiel ao seu
mundo interior, à sua alma;
e Epimeteu, o tipo
extrovertido, voltado para o
outro, para as coisas
mundanas.
Em Spitteler, Prometeu e
Epimeteu representam a
tensão entre as duas
expressões da energia
psíquica e o conflito do ego
em ser fiel ao mundo
interior ou ceder aos apelos
do mundo externo. Prometeu
representa para esse autor o
ego afinado com o Self, e
Epimeteu, o ego voltado para
as solicitações e exigências
do mundo externo. Prometeu,
na criação de Spitteler,
renuncia à vivência mundana
para poder dedica-se aos
apelos do inconsciente. E ao
privar-se, de forma
unilateral, das relações com
o mundo externo, corre o
risco de perder-se em si
mesmo.
Carl Spitteler concebe
Prometeu como um herói
individualista, que está
voltado para o serviço de
sua alma. Prometeu se guia
pelos imperativos de sua
alma e recusa as honras do
mundo. Prometeu, em
Spitteler, expressa o
conflito e a divisão entre o
mundo interno e o externo.
Representa a tendência
introvertida em sua
unilateralidade que leva à
negação do mundo externo.
Mas Spitteler coloca na sua
criação poética um fator
compensatório através da
imagem de um anjo,
representante do governo do
mundo, que adverte Prometeu
do perigo de sua atitude.
A excessiva introversão leva
ao isolamento psíquico e
impede o desenvolvimento do
potencial interno que
precisa ser exercitado no
mundo. O desenvolvimento do
ego e o processo de
individuação requerem um
equilíbrio entre as duas
direções da energia
psíquica. A excessiva
polarização de uma das
tendências é prejudicial à
saúde psíquica.
O Prometeu de Spitteler
está voltado de forma
exacerbada para a vivência
do mundo interno, e assim
não pode desenvolver o
relacionamento e a adaptação
com o mundo exterior. Ele
vira as costas ao mundo dos
homens e assim fica
confundido com o Self.
Prometeu recusando
adaptar-se, sacrifica a sua
relação cós os objetos e o
tempo e permanece num mundo
atemporal. O Anjo adverte
prometeu que a sua recusa em
viver a castração o afasta
do conhecimento de Deus:
Serás rejeitado no dia da
Glória, por causa de tua
alma que não conhece Deus,
que não tem consideração
pela lei, com seu orgulho,
não toma nada como sagrado,
nem no céu, nem na terra.
Para Spitteler, Prometeu
representa o ego doente e
enfraquecido que recusa a
relação com o mundo. Ele não
arrisca, ao contrário do
Prometeu do mito grego, que
leva o homem a sair do
estado de perfeição e o
coloca no mundo sujeito às
imperfeições e aos limites.
Na criação de Spitteler,
Prometeu permanece fixado na
ilusão de um potencial
grandioso, prometéico, que
nunca se atualiza no mundo
em gesto ou em obra. Ele
recusa a sua ação no mundo e
tudo desaparece no interior
da psique, o potencial se
torna invisível, porque
Prometeu não lhe oferece
visibilidade através do ato
criativo.
O ego, quando não realiza o
seu potencial criativo no
mundo, contraria os desejos
do self. A recusa ao
desenvolvimento pessoal e a
identificação onipotente com
o Self alienam o ego de
Deus; ele perde a
consciência de sua
participação na totalidade
justamente por estar
confundido com ela.
Para Spitteler, Prometeu
representa a tendência que
furta a energia do ego, da
consciência, sem nada criar
ou realizar, por sua
onipotência. A função
introvertida se expressa
aqui na sua forma negativa.
O Epimeteu de Spitteler, por
outro lado, representa o
impulso para a vivência
extremada da extroversão. O
seu impulso o move para o
mundo externo, por cujos
desejos e esperanças ele é
absorvido. Epimeteu
representa o impulso do ego
para a realização do seu
potencial no mundo. A
aceitação dos desafios
impostos pelo mundo leva
Epimeteu a adquirir o
sentimento de confiança,
valor e capacidade produtiva
e criativa. Epimeteu, para
Spitteler, representa a
conquista de um ego forte,
estável e seguro, capaz de
dirigir, coordenar e
promover o relacionamento
entre vários conteúdos
psíquicos.
Embora o Epimeteu de
Spitteler possua um caráter
mais positivo do que
Prometeu, ele vê as duas
tendências, a prometéica e a
epimetéica, dissociadas e em
conflito. A libido, nestes
termos, se dirige para
direções opostas sem
possibilidade de comunicação
e equilíbrio. Prometeu
volta-se demasiadamente para
outro lado, tende a negar o
mundo interno e desenvolver
o ego afastado de suas
fontes inconscientes, do
contato com o Self.
Prometeu, na criação de
Goethe, não é o filho de
Jápeto e de Clímene, mas de
Zeus e de Hera. É um ser
onipotente que despreza os
próprios deuses. Goethe
concebe um Prometeu
confundido com a divindade,
a sua alma é Minerva, filha
de Zeus. E o seu Prometeu é,
no entanto, mais positivo do
que em Spitteler, porque
mais criativo e capaz de se
relacionar com o mundo
interno e externo.
Goethe caracteriza Epimeteu
como o ser identificado com
a consciência coletiva, e
Prometeu, com a criatividade
do Self. O Prometeu de
Goethe é um ser que, apesar
de identificado com o Self,
consegue realizar a sua
criatividade no mundo. Ele
atira para o espaço as
figuras moldadas por ele e
animadas por sua alma. Ele
enche o mundo com as suas
produções criativas.
Epimeteu, em Goethe, é quem
vive a tendência
introvertida: abandona-se a
fantasias, sonhos,
recordações, apreensões e
preocupações.
Pandora, para Goethe, é a
representação das forças
criativas. É filha dos Titãs
e está sob a dependência de
Prometeu. É casada com
Epimeteu, mas o abandona e
lhe deixa a filha Epimeléia,
a preocupação, e leva
consigo Elpore, a esperança.
A esperança desaparece
quando o ego se aliena do
Self, que é a fonte da fé e
da confiança na vida, só
restando a insegurança e o
desamparo com as
preocupações.
O mito de Prometeu, em todas
as épocas, sempre foi fonte
de inspiração de poetas,
artistas e filósofos.
Prometeu foi constantemente
retratado na cerâmica grega
e romana. Na literatura,
desde Hesíodo e Homero, o
mito de Prometeu mobilizou a
criatividade de grandes
artistas, porque o seu tema
sintetiza simbolicamente
aspectos importantes da vida
humana.
Ésquilo dedicou a Prometeu
uma trilogia e uma sátira,
mas só um destes trabalhos é
conhecido hoje, Prometeu
Acorrentado. Platão em
seus Diálogos,
através de Protágoras,
descreve Prometeu como um
deus civilizador que doa o
fogo aos homens para que
estes supram suas
necessidades e inventem a
linguagem. Eurípedes, em
As Suplicantes, também
vê Prometeu com um caráter
civilizador.
Entre os primeiros
escritores cristãos, como
Tertuliano e Santo
Agostinho, Prometeu
crucificado foi comparado
com Cristo, o verdadeiro
Prometeu.
Na renascença, Pedro
Calderón de la Barca, na sua
comédia A Estátua de
Prometeu, compara o herói
com a consciência humana que
se revolta contra a
injustiça e a
arbitrariedade.
Artistas plásticos
românticos e modernos como
Theodore de Lie, Gustave
Moreau e Jacob Jordans se
mobilizaram principalmente
pelo tema do sofrimento e do
suplício. Na literatura,
Goethe, Schiller e Spitteler
são os representantes
principais que se inspiraram
no herói grego, além de
Percy Shelley (Prometeu
Libertado), Mary Shelley
(Frankenstein, o Prometeu
Moderno), André Gide
(Teseu-Prometeu),
Camus (O Homem em Revolta),
Kafka (Prometeu).
Prometeu, o pai dos homens,
o arquétipo que possibilita
ao homem a construção do
mundo cultural, cumpre
também a sua missão sendo a
fonte de criação desses
artistas, que contribuíram
com o seu trabalho para a
ampliação do universo
cultural da humanidade. |