LR
A criação de TriploV – Revista de
Artes, Religiões e Ciências de que
maneira pretende conviver com a versão já
existente do TriploV?
MEG
Pretendo livrar-me de excesso de trabalho
com os outros para ficar com tempo para o
meu, Luís. Já tu vieste dar uma ajuda,
tomando conta do TriploG –
O blog do TriploV. Uma vez que te
encarregas de publicar crónicas regulares e
notícias que interessam ao mundo
triplóvico, fico só com a criação e
ensaio, e com eles podemos criar uma
revista. Seis números por ano dão uma boa
maquia, ainda fico com trabalhos
extraordinários que sempre aparecem e é
necessário pôr em linha, fora da Revista.
Vamos ver quantos anos nos aguentamos neste
altruísta ofício, sem remuneração, tendo às
vezes de conviver com pessoas que, em vez de
mandarem os seus próprios textos, nos
estressam com anedotas, falsos SOeSSSes e
verdadeiros Pêppêsses, gracinhas, lindezas,
tudo aquilo que fica para além da nossa
capacidade de prestar atenção e por isso de
dar resposta. Por tudo isto eu não te
encorajo a favoreceres meios de contacto,
isso é muito gratificante agora, por ser
novidade e te reconfortar o coração, mas,
quando a tua caixa de e-mail ficar
encharcada com umas centenas ou mesmo um
milhar de e-mails por dia, vais reagir
deletando tudo sem ler nada, ou então vais
bater com a porta sem mesmo pedir divórcio.
Não somos o Messias, Luís. Se as pessoas
querem interagir, não sendo criadores nem
ensaístas, mandam um beijo. Um beijo é bom,
incentiva e não pode considerar-se
spam. Outras coisas causam depressão.
Quem precisa de ajuda somos nós, vamos ver
se os cibernautas entendem, enviando só o
que lhes pedimos: a sua, deles, colaboração,
por eles assinada, em formato .txt ou .doc e
imagens, à parte, até 500 pixels de alto, em
formato .jpg.
FM
Não há conflito e sim expansão. Todo
material que circula no ciberespaço
permanecerá em seu lugar de origem, através
do TriploV e da
Agulha, como minas
de visitação. Leitores seguirão tendo acesso
ao índice geral das duas publicações.
TriploV – Revista de
Artes, Religiões e Ciências possui
um caráter tanto distinto como mais
abrangente e com suas particulares
editoriais, de ordem estrutural e de
conteúdo.
LR
O que levou esta nova revista a lançar seu
número inicial como um decalque-homenagem à
edição especial Agulha 70?
MEG
Essa é uma pergunta inquietante, Luís! Há
abismos insondáveis no coração dos segredos
e vice-versa. Digamos que me facilita a vida
iniciar a revista com a papinha feita, pois
fico com a estrutura da
Agulha, que é muito simples. Ao
mesmo tempo, homenageio-a, sim, porque é
bonito repeti-la neste dia, mês ou ano do
seu décimo aniversário, e com um número tão
mágico como é o 7, se nos esquecermos do
zero. A Agulha é a
revista de cultura em português de maior
audiência no planeta. Merece mais até do que
essa homenagem, merece que a assaltem e lhe
surripiem alguma substância cinzenta, e por
isso o TriploV foi
lá raptar o Floriano Martins. Então o nosso
número 1 vai ser o número 70 dela, nada de
mais original do que começarmos no meio ou
mesmo no finzinho, não é verdade? Pelo
princípio, qualquer um principia, mas nós
somos artistas e não qualquer um.
E como já
obtivemos sem esforço o nº 1, solicitemos
colaboração para o número 2 e seguintes.
Estamos abertos à participação de jovens,
estimulamos a novidade, a extravagância, a
substância, a irreverência. Não aceitaremos
propostas de reprodução de valores, claro.
Os trabalhos, em Arial 12, preto,
simplezinho, devem vir acompanhados por foto
e nota biobibliográfica do autor.
FM
Foi inicialmente uma grata surpresa para mim
a idéia da Maria Estela Guedes. É bem
verdade que temos, ao longo da última
década, uma bonita história de
cumplicidades, tanto no plano virtual como
no mundo impresso, com a publicação de
livros nossos, no Brasil e em Portugal,
participações em eventos etc. Praticamos uma
saudável fraternidade que melhor alimentaria
nossa época se fosse mais freqüente entre
poetas e artistas. Este decalque-homenagem,
portanto, é uma afirmação valiosa do que
podemos alcançar em nome da fraternidade.
LR
Dois já conhecidos e reconhecidos editores
reúnem-se nesta nova parceria editorial.
Isso significa também uma junção de dois
países, duas culturas e mais a possibilidade
de se criar uma mesa de encontro de toda a
comunidade lingüística portuguesa. Há planos
neste sentido?
MEG
TriploV sem Brasil
não é TriploV.
Comecei com o Magno Urbano, engenheiro do
sistema, que agora é português, mas com quem
me fui habituando à fala, escrita e cultura
brasileira. A nossa maior audiência está no
Brasil. A maior parte dos nossos
colaboradores é formada por brasileiros,
brasileiros que vivem no Brasil ou fazem
mestrado ou doutorado em universidades
europeias e da América do Norte. Os meus
livros começam a ser publicados no Brasil,
isto na direta influência do casamento
Agulha-TriploV
e meus trabalhos na Apenas Livros e CICTSUL.
Eu mesma já escrevia um português meio
carioca ou curitibano, antes da discussão do
Acordo Ortográfico. Já conheço bem o
Floriano, ele sempre apoiou o
TriploV e se moveu dentro
dele como em sua casa. Não sinto que as duas
culturas tenham aspectos oponíveis ou
inconciliáveis. Enriquecem-se uma à outra e,
na minha opinião, o muro das diferenças
culturais a saltar é, sobretudo, o
linguístico, apesar de falarmos a mesma
língua. De resto, somos perfeitamente
casáveis. Quando eu fui aceite colaboradora
da Agulha o meu
nome apareceu lá como Estela Guedes Martins,
por isso, sem o escrever, o Floriano
Martins, para nós, foi sempre o Flor Martins
Guedes. O nosso trabalho é às vezes tão
chato que só numa de gozo e sedução o vamos
ultrapassando. É uma alegria ver tudo
prontinho, no ar. Mas o que se passa nos
bastidores às vezes dá dor de dentes.
Quanto à
criação de uma mesa de encontro de toda a
comunidade linguística portuguesa, isso é
fácil, tecnicamente, desde que estejas a
pensar na Internet. Temos chat, fórum e
podemos instalar qualquer outro dispositivo
interativo ou criar uma lista de discussão.
O TriploV é um
pequeno servidor, aguenta uma quantidade de
coisas, impossíveis nos blogues. Questão de
falar com o Magno.
Se estás a
pensar em mesa presencial, o Floriano já é
curador de um grande encontro internacional
com essas características, a Bienal do Livro
do Ceará.
FM
Evidente que se trata de oportunidade
inaceitável de ser esquecida. Há uma imensa
retórica revestindo o tema, em que a chamada
reforma ortográfica mais nos afasta do que
aproxima. Orientar e ampliar o debate sobre
a diversidade cultural dos países de língua
portuguesa será uma das tônicas da
TriploV – Revista de Artes,
Religiões e Ciências. Assim como já
estamos fazendo no Brasil, através da
coleção Ponte Velha, da Escritura Editora,
onde temos já autores de Portugal, São Tomé
e Príncipe, Cabo Verde e Moçambique,
trataremos de sistematizar, nesta nossa
parceria editorial, a presença múltipla e
riquíssima da cultura – não apenas da
literatura – de todos estes países. Porém a
revista não se limitará a este ambiente
cultural. Tratará oportunamente de temas
ligados ao que propõe seu título, com a
singularidade que tais temas exigem.
LR
Como pretendem lidar com o que suponho seja
uma nova configuração de pauta, nova
estrutura editorial, considerando que não se
vai repetir o mesmo padrão de TriploV
e Agulha? Penso nisto
inclusive pela abrangência insólita de
reunir em uma mesma publicação as artes, as
religiões e as ciências.
MEG
Artes, religiões e ciências, tudo plural,
sim. Conto com os cibernautas, claro. O
TriploV tem oito
anos, quase dois gigas ocupados com
conteúdos – documentos html e imagens. Nunca
fiz pauta, contei sempre com o acaso,
raramente pedi isto ou aquilo, e a verdade é
que os colaboradores, se falharam, foi por
excesso e não por defeito. Já aqui deixei
expresso o desejo de que colaborem
quantum satis, pliz, ou lá
teremos um ataque de nervos: não mandem nada
anónimo, escrito pelo amigo, não mandem nada
que não seja para publicar, não mandem
textos que não foram revistos, porque,
AVISO À NAVEGAÇÃO:
não corrigimos textos
depois de postos no ar.
Claro que o
Floriano vai querer pauta, vai querer temas,
vai querer pedir textos sobre o tema ao
autor A, B e C. Isso é possível fazer-se com
brasileiros, que são diligentes, rápidos,
conhecem a Internet, sabem o que vale ser
publicados no TriploV
e na Agulha e até
mencionam o facto nos currículos académicos.
Sabem que do TriploV
até podem saltar para edições em livro, ir a
colóquios, tertúlias, feiras e congressos.
Com portugueses, não. Os portugueses são
dotados de extraordinária imaginação e senso
crítico mas, em termos tecnológicos, ainda
vivem na Era da Bic EsferaFina, alguns mesmo
na da Bic Lascada.
FM
É verdade, não é fácil livrar-se da
lagartixa da Agulha
ou do ovo do TriploV
(risos). São símbolos já presentes em nosso
inconsciente. Curiosamente vejo que a
parceria é uma decorrência natural de nossa
amizade, da afinidade que sempre tive com
Maria Estela Guedes, e que o grande desafio
que temos será o de criação de uma nova
logomarca para TriploV –
Revista de Artes, Religiões e Ciências.
Quanto à configuração em si, a estrutura da
revista deve seguir um roteiro de galerias
(ou sessões, se querem) que respondam por
esta tríplice vertente – este é
nosso triplo V – que abrigará as artes, as
religiões e as ciências. E o fará na forma
de textos, imagens, sons, vídeos, cobrindo
toda a esfera de possibilidades que a
Internet nos permite. Trata-se de um projeto
ambicioso que abrigará, além da própria
publicação em si, todo um conjunto de ações
que seguimos articulando, Maria Estela
Guedes e eu.
LR
Acaso podem ambos fazer um balanço da
consistente aventura editorial que levaram a
termo em Agulha e
TriploV?
MEG
A Agulha, já o
disse, é neste momento a mais importante
publicação electrónica em língua portuguesa.
A sua importância é intrínseca, como
repositório de informação e cultura
literária, e extrínseca, por isto se
entendendo que a sua esfera de influência
ultrapassa as fronteiras do virtual para
interagir com o presencial. Claudio Willer e
Floriano Martins, editores da
Agulha, estabeleceram
contato com inúmeros escritores brasileiros
e de outros países e promoveram o contato
entre eles. São embaixadores do Brasil no
mundo.
O
TriploV é mais novo dois
anos, sempre foi mais pluridisciplinar e por
isso pode parecer caótico, os meus critérios
de publicação têm sido mais estratégicos do
que estéticos, e para além disso é-me
difícil falar de mim. De qualquer modo, os
resultados e a esfera de ação de ambos é
similar. O TriploV
também é um veículo poderoso, em termos de
audiência.
FM
A Agulha me parece
que cumpriu, em seus 10 anos de aventura
editorial, o papel que motivou sua
existência: o de transformar-se em uma mesa
de debate dos principais temas que envolvem
a cultura e as artes em nosso tempo. Quando
surgimos não havia este espaço na imprensa
no Brasil. Virtual ou impressa, esta área
permanece ainda com enorme carência, já
quase de todo naufragada nas águas do
entretenimento, sem oferecer ao público um
espaço de reflexão, conhecimento,
multiplicidade de oportunidades, e não
apenas a informação com caráter comercial.
Em geral, a imprensa trata seu público como
mero cliente, o que é uma lástima, e a área
do chamado jornalismo cultural acabou
adotando a fórmula. Agulha
foi um espaço praticamente solitário, ao
longo de uma década e com 70 números
publicados, uma mesa farta que tem em seu
acervo – sua madeira de lei – uma média de
1.800 ensaios e entrevistas, os mais
diversos temas, verdadeira prática de
política cultural em um país mais afeito ao
fuxico cultural. E foi além da simples
edição de seus números: seus editores foram
convidados para eventos literários em
diversos países; definiu contratos
editoriais, seja na área de poesia, ensaio
ou tradução; formou parcerias com grupos
editoriais também em âmbito internacional;
ampliou o espaço de difusão de inúmeras
revistas, inclusive com um intercâmbio de
edições especiais dedicadas a alguns países;
e claro: agora estamos aqui, dando a este
caráter cultural uma nova configuração,
através da criação da
TriploV – Revista de Artes, Religiões e
Ciências. Evidente que a
Agulha tornou-se um
consistente veículo de reflexão e circulação
de idéias. Sem dúvida que seus leitores se
reconhecem nela.
[Fortaleza/Lisboa, agosto de 2009]