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AGULHA, UM BALANÇO PORTUGUÊS
Maria Estela Guedes Página ilustrada com obras
da artista Aline Daka (Brasil) |
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A
Agulha – Revista de Cultura,
cumpridos dez anos de existência,
encerra as portas a mais
colaboração. Foram dez anos e
setenta números, o que perfaz cerca
de dois mil trabalhos,
maioritariamente ensaios, já que
essa foi a sua estratégia editorial
– publicação de ensaio sobre
literatura, de preferência
contemporânea, em português e em
castelhano. |
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Ao lado, o convite a um artista
plástico, para ilustrar um escritor. Tem
sido uma publicação independente, não
alinhada com poderes políticos, académicos
ou facções culturais. Marginal, por
consequência, e apoiante da marginalidade,
enquanto espaço excepcional em que gira o
motor da criação.
Neste
domínio, vemos privilegiados nela os
artistas do front, das muitas
vanguardas, desde Rimbaud a Patti Smith,
desde o surrealismo à beat generation,
desde a pintura até à música pop. Georges
Bataille está presente, bem como Sade e
Lautréamont, porque a Europa se enraíza no
Novo Mundo, e este naquela, transportados
pela grande massa de autores convocados ao
anfiteatro da Agulha. Se quisermos,
como os editores da revista, englobar todas
as vanguardas em só uma, paralela à outra
tendência da arte contemporânea, o
formalismo, então verificamos que a
Agulha se ocupou sobretudo do
surrealismo.
Vamos
lamentar o quê, exatamente? O
desaparecimento, não. Apenas que não
tenhamos número 71 e seguintes. A terminar,
porque as pessoas cansam-se, e são só duas -
Floriano Martins e Claudio Willer na
Agulha, e uma terceira, Soares Feitosa,
no site de edição, o Jornal de Poesia
– é excelente que termine agora, pois a
revista alcançou um lugar muitíssimo bom no
ranking mundial de acessos. Consulte-se o
Alexa, em linha, para prova dos noves. Sai
vitoriosa, coroada com os nossos aplausos e
um galardão bem merecido, o «Prêmio
ABCA 2007» (Associação Brasileira de
Críticos de Arte), como melhor veículo de
comunicação de cultura do país. Foi
igualmente um bom veículo da cultura
portuguesa no ciberespaço.
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Vamos ver a que assuntos e
autores nossos prestou atenção.
Autores e figuras comentados:
Almada Negreiros e Cruzeiro Seixas (nº 2-3);
Herberto Helder (nº 9,); D. Sebastião (nº
11); Luís Miguel Nava, Mário Cesariny (nº
25); Fernando Pessoa (26; 36); Mário Botas
(nº 26); Casimiro de Brito, António Ramos
Rosa, Maria do Rosário Pedreira (nº 27);
Herberto Helder (nº 29); poetas vários por
João Barrento, e António Barahona (nº 30);
Paula Rego, Maria João Cantinho (nº 32);
Adolfo Casais Monteiro, Eduardo Langrouva
(nº 33); Mário Viegas, Fernando Lemos e
Manuel de Castro (nº 34); Ana Hatherly, Rosa
Alice Branco (nº 35); Mário Cesariny, Graça
Morais, Manuel António Pina, Sophia de Mello
Breyner (nº 36); José Saramago, Nicolau
Saião (nº 37); Herberto Helder (nº 38);
David Mourão-Ferreira (nº 38); Manuel Gusmão
(nº 39); Ana Marques Gastão, Paula Rego (nº
41); Manuel Fernando Gonçalves (nº 42); Al
Berto, Ilda David (nº 44), António Ramos
Rosa, Eugénio de Andrade, Nicolau Saião (nº
45); Armando Silva Carvalho, Maria Teresa
Horta (nº 46); António Ramos Rosa (nº 47)
Rosa Alice Branco, Isabel Meyrelles (nº 49);
Bocage (nº 50); Cruzeiro Seixas (nº 51);
Cesário Verde, José Régio (nº 52); Ernesto
de Sousa, Cruzeiro Seixas (nº 53); António
Ramos Rosa (nº 55); José Régio (nº 56);
Nicolau Saião (nº 57); Agostinho da Silva
(nº 58); Isabel Cristina Pires, Cruzeiro
Seixas; vários em «Literatura portuguesa
contemporânea» (nº 59); João Pedro Grabato
Dias
(nº 60); D'Assumpção (nº 62); Herberto
Helder (nº 62); Fernando Echevarría, Raul
Proença, Florbela Espanca, Ruy Belo (nº 63);
Herberto Helder (nº 62); António Lobo
Antunes (nº 66); Herberto Helder, Cruzeiro
Seixas (nº 67); Alberto Santos, Henrique
Risques Pereira (nº 68);
Herberto Helder (nº 69). |
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Ensaístas, alguns deles com
presença regular:
João Barrento, Helena Vasconcelos, Maria
João Cantinho, Ruy Ventura, Rosa Alice
Branco, Ana Marques Gastão, Nicolau Saião,
Teresa Martins Marques, Nuno de Matos
Duarte, João Garção, Augusto José Matos,
Manuel Grenho Caldeira, Luís Costa, Paulo
Alexandre Pereira, António Cabrita, Maria
João Reynaud, Luís Estrela de Matos, Joana
Ruas, Henrique
Manuel Bento Fialho, Norberto
do Vale Cardoso
e Maria Estela Guedes, que
sou eu.
Com as presenças assíduas de
Herberto Helder e Cruzeiro Seixas,
verificamos que, no que toca a Portugal,
também o surrealismo foi mais intensamente
analisado. A percentagem de matéria lusíada
é considerável, atendendo não só ao peso dos
efectivos do Brasil como da parte restante
da América Latina. Não esquecendo que a
revista se ocupou das vanguardas, portanto
teve de ser universal o bastante para cobrir
a Europa, os Estados Unidos e boa parte do
restante mundo. |
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Nestes
dez anos, a influência da revista no meio
dos escritores vivos com acesso ao
ciberespaço foi imensa, com saldo muito mais
que positivo, e o prémio entretanto recebido
assinala o facto com justiça. É importante a
influência ao convocar os artistas para um
novíssimo suporte de publicação e meio de
difusão cultural, com regras próprias, e
poder impressionante de impacto, traduzido
nos novos contactos, além de na audiência.
Nunca, pelos meios tradicionais, Floriano
Martins e Claudio Willer se teriam cruzado
no caminho com tantos escritores –
americanos, europeus e africanos – não fora
o apelo do virtual. O virtual tem essa
grande virtude: apela para o presencial.
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As
relações presenciais são determinantes na
nossa carreira, delas depende a
permeabilidade ao fluxo artístico, portanto
a permanência dos valores artísticos e
culturais, bem como a incitação ao novo e
desenvolvimento dos novos caminhos.
A
Agulha prestou-me muita colaboração, em
vários níveis, enviando matérias para
publicação, solicitando as minhas e a minha
presença em eventos importantes. O TriploV,
a ela, tem aberto o horizonte do
ciberespaço, prestando informações como
estas: a Agulha não acaba, nada com
alguma importância acaba definitivamente na
Internet.
O domínio
da revista, a sua Url - http://www.revista.agulha.nom.br/agportal.htm
- vai permanecer acessível aos browsers.
Quando desaparecer definitivamente, os
materiais escritos, na maior parte, ficarão
disponíveis no Internet Archive:
http://web.archive.org/collections/web.html
.
Experimente:
http://web.archive.org/web/*/http://www.revista.agulha.nom.br/agportal.htm
O TriploV
e eu devemos muito à Agulha, isto é, a
Floriano Martins e a Claudio Willer. Livros
publicados no Brasil, participação na Bienal
Internacional do Livro do Ceará, por
exemplo, aconteceram e espero que continuem
a acontecer devido ao mútuo conhecimento e à
camaradagem que se foram desenvolvendo
nestes dez anos. Somos veteranos, quase
pioneiros em absoluto, e pioneiros
relativamente à nossa especificidade.
A
colaboração não vai acabar. Em simultâneo
com o último número da Agulha,
publicamos o número 1 da Revista TriploV
de Artes, Religiões e Ciências, com
direcção minha e de Floriano Martins. A
coadjuvar-nos, teremos Luís Reis (no TriploG),
Maria José Camecelha (no TriploV) e Magno
Urbano, hospedeiro e engenheiro do sistema.
Não é preciso dar a morada, mas vá lá, vá lá
-
http://revista.triplov.com/ - e comprove
se já estamos no ar. |
Maria Estela Guedes
(Portugal, 1947). Escritora, investigadora
do Centro Interdisciplinar de Ciência,
Tecnologia e Sociedade da Universidade de
Lisboa. Dirige o TriploV [http://triplov.org].
Autora de livros como Herberto Helder, Poeta
Obscuro (1979), Ofício das Trevas (2006) e
Chão de papel (2009). Contacto: estela@triplov.com.
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