Revista TriploV DE Artes, Religiões e Ciências

Direção|Maria Estela Guedes & Floriano Martins

PÁGINA INDEX | HOME Número 01|Homenagem à Agulha. Decalque do nº 70 e último. Setembro de 2009

 

NÚMERO 01

 

Jornal de Poesia Brasil

Banda Hispânica
Brasil

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La Otra
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TriploG
Portugal

Matérika
Costa Rica

 
 
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

As crônicas eventuais

Nicolau Saião


Página ilustrada com obras da artista Aline Daka (Brasil)

1. AMÉRICA DE LUZES E SOMBRAS

 

Para nós, amantes da Literatura Policial, a América tem sido o país das mil-e-uma-noites: nela brotaram flores de mistério e de maravilhoso, de mágoa e de tragédia através dos dias e dos anos, plantadas por escritores e visionários como Edgar Alan Poe, H. P. Lovecraft, Dashiel Hammett, August Derleth, Raymond Chandler, Charles Williams, William Faulkner, Melville Davison Post e tantos outros.

A América atravessámo-la nós com os vagabundos de Frank Gruber, com os “road runners” de W. R. Burnett. Contemplámos as vertentes do Ohio e os arranha-céus de Nova Iorque e Chicago até às montanhas do Colorado e aos desertos do Arizona e do Novo Máxico com Bill Ballinger, Hammond Hines, Burt Spicer e Jim Thompson. Excursionámos pelas vilórias e pelas pequenas cidades do Midlle West com Ellery Queen e Ray Bradbury, perdêmo-nos nas alfurjas dos portos e nos “fumoirs” de Chinatown e da Bowery com Craig Rice, Thomas Burke e um certo chinês filósofo de bigode a quem chamavam Charlie Chan e que estava ali de passagem vindo da sua ensolarada Honolulu.

Numa certa noite de neve, sob a lua da Carolina do Norte, ouvimos tiros na estrada deserta por onde minutos antes haviam passado Bruce Robinson e Jonatham Latimer, que nos esclareceram o enredo.

Amámos e padecemos em quartos e em caves, de mãos atadas atrás das costas pelos “gangsters” de serviço. E fomos salvos “in extremis”, com o fato rasgado e o nariz deitado abaixo, por um tal Mickey Spillane e pelo seu amigo dilecto Mike Hammer. A iluminação brotou-nos da mente num momento de sagacidade perpetrada por um fulano que atendia pelo nome de Philip Marlowe. E foi homem a homem que derrotámos o mafioso crápula pseudo político que nos envinagrava o quotidiano, devido aos sábios ensinamentos dum tipo chamado Continental Op, em escaramuça devastadora numa viela do Bronx.

De manhãzinha, com o nosso elegante fato cinzento de discreta risca azulada, entrámos num palacete onde um ancião atormentado pela nostalgia nos pediu auxílio para encontrar o genro e fomos catrapiscados por uma “mulher fatal” que nos lançou na senda da aventura. De outra vez, acompanhando um sofisticado cavalheiro conhecedor de arte assíria e etrusca que nos disse chamar-se Philo Vance, tivemos a dita de nos introduzirmos nos ricos salões de Nova Inglaterra e de Manhattan e, em troca, de juntura com um tal Humphrey Bogart, levámo-lo até aos confins do Colorado, até à High Sierra, e aprendêmos a beber uns valentes “bourbons” sem ficarmos caídos de caixão à cova.

Com um jurista desembaraçado que nos disse apelidar-se Perry Mason, jornadeámos pelas artérias de Los Angeles e pelos desertos da Califórnia em busca de assassinos nefandos.

Ouvimos muitas vezes o bramir dos ventos, sentimos na pele o negrume das noites e a chicotada da chuva inclemente, enquanto – dissimulados a uma esquina, com a gola da clássica gabardina levantada – esperávamos a chegada dum companheiro empregado na mesma agência que se chamava Caution, Lemmy Caution e que era pai dum tal James Bond.

Tudo isto sentímos nessa América onde havia e há problemas e conflitos não resolvidos, mas onde também sempre houve esperança e alegria devido a umas coisinhas simples, mas espantosamente importantes, que dão pelo nome de liberdade de palavra, de reunião, de pensamento e da sua divulgação não obrigada a mote, como sucede hoje em muitos sítios supostamente civilizados.

E, agora que se tornou moda ou característica pôr-se sistematicamente em equação essa América (toda a América?!) como símbolo do mal e da desgraça - principalmente para se sentir melhor a nostalgia dum Leste implodido e de novos bárbaros a quem se santifica como mártires - lembremo-nos de todos os mosaicos intemporais que ela criou através de membros humildes ou repletos de cultura viva que, hoje por hoje e amanhã por amanhã, se calhar só serão epigrafados e em altas vozes se, de novo, tiverem de dar a vida para continuarmos a disfrutar de um pouco de futuro possível.



2. IRENE, JOLMAR & COMPANHIA

Têm-se tornado quase gente do meu lidar estes e outros que, decerto pelos melhores motivos, procuram nobremente beneficiar-me das mais diversas maneiras…

Neste tempo de movimentos caracoleantes na “silly season” de fogos que nos perturbam ou empolgam e de outras amenidades semelhantes, os nomes que cito – e que chegam até mim interactivamente pela Net em e-mails não solicitados – divertem-me e até me confortam, pois sou pessoa muito agradecida a este acervo de gente que, não me conhecendo, busca contudo fazer de mim um homem de quotidiano feliz e, presumo, de mais agradável perfil social.

Este Jolmar, que é certamente um médico prodigioso, mediante sucessivas mensagens alerta-me para o facto de que posso aumentar a tonelagem de certo órgão de que disponho para diferentes utilizações anatómico-fisiológicas, qual delas a mais agradável ou aliviante. E isto sem me ter observado in loco, o que diz bem da sua competência profissional, maior no entanto que o seu grau de previsão e conhecimento. Propõe-se também fornecer-me, por um preço muito em conta, pequenos utensílios muito úteis em épocas de superpovoamento. De passagem, caso não esteja interessado nesse funcional produto, negociará comigo, em moldes extremamente vantajosos, fotos de mui gratificante recorte confeccionadas nos entrepostos adequados do multirracial Brasil.

Irene - por seu turno - que deve ser uma jovem sincera e ternurenta a atender ao que reza na sua espevitada publicidade - propõe-se ajudar-me a passar noites produtivas dum certo ponto de vista em Copacabana e, se necessário, em Belo Horizonte – e sem sequer precisar de sair do quarto e sem ter de estar a jogar primeiro à bisca ou ao dominó.

Não é isto dum desvelo perfeitamente comovedor?

E que dizer dos potenciais fornecedores de automóveis topo de gama ao preço da uva mijona, dos agentes de fenomenais casinos onde tudo é possível, dos especialistas honrados que me tratarão da contabilidade ou da potencial calvície com toda a competência e mansuetude? E que até me vão ensinar, se eu quiser, judo-savate ou karaté com maviosas aplicações?

E das experts de antigos países de Leste (a atender aos nomes característicos) que poderão fazer de mim um felicíssimo cavalheiro por toda a santa vida, caso eu aceda em dar-lhes o sim num qualquer cartório notarial? E o excelente gentleman que me propõe a aquisição de alguns portentos de raça cavalar? E o vendedor de vinhos de boa casta? E o das pulseiras e colares? E aquela que… Mas basta de publicidade gratuita, por ora!

Obrigado Irene, obrigado Jolmar! Obrigado a todos quantos se preocupam assim com a minha estabilidade terrena, com o meu equilíbrio psicológico e com o bem-estar do meu agregado biológico!

Há só um pequeno senão. Que lhes estraga desde logo o(s) interessante(s) negócio(s).

É que, por questões de cepticismo incontrolável, sou um péssimo utilizador de gestos samaritanos de tão poderoso quilate.

E, ainda por cima, o que é bem pior – que raiva e que desgosto! - o meu erário pessoal é mais ou menos tão pouco portentoso como o do nosso bíblico velho amigo Job…
3. BREVE RELANCE SOBRE A MÚSICA

A música, imagem da alma, como referiu com propriedade Frederich Herzfeld, tem sido uma segura acompanhante do Homem embora só tardiamente o tivesse sido da sociedade. Com efeito, se nos lembrarmos que a primeira escola de música – ainda estabelecida em termos muito artesanais – foi criada em mil e nove por Saint-Gall e que o primeiro público musical (ou seja, reunido com o fito de ouvir a música por si mesma) só começou a existir no ano de 1725, com a criação por Philidor dos chamados “concertos espirituais”, começaremos a perceber que, como uma âncora profundamente fixada no mar societário, a música enquanto fenómeno ou, para dizer doutra maneira, a música enquanto entidade criadora de acontecimentos partilhados por milhares ou por milhões é um dado relativamente recente, tanto mais que os meios técnicos de difusão só neste século se tornaram uma presença quase absoluta.
Nos dias de hoje, em que vivemos rodeados de sons e de timbres organizados de forma lógica (e relembro que foi somente no séc. XVIII, com Mozart, que o timbre começou a ser utilizado de modo significativo e criativo) é-nos difícil entender quanto a música estava afastada das grandes massas populares como fruição habitual e quotidiana. Como refere apropriadamente Konrad Riemann, para o geral da população havia, nos dias de semana, as frases musicais ritmadas ao jeito de pequenas canções que sublinhavam o trabalho feito ou a fazer; no domingo era a canção entoada quando havia festas mas, acima de tudo, a presença do canto religioso, frequentemente expresso mediante a monódia gregoriana.

Antes disso – e a memória mais afastada vai só até 40 mil anos, documentados no fresco de Ariège, na gruta dos Três Irmãos em França – a música seria um sublinhar de fastos mágicos ou ritos religiosos, pois era coisa de deuses e de alguns homens que se haviam subtraído ao seu presumido controle.

A música era apanágio do mago, do sacerdote ou do monarca, fracção espiritual que proporcionava um contacto directo com as divindades e os seus áulicos.

Contudo, no nosso tempo a música espalhou-se pelo imaginário, dando azo a muitas figurações sociais, políticas e psicológicas. Goebbels, por exemplo, com a sua fina intuição de patifório esclarecido, conhecia bem o peso que tem, ante os basbaques, o desfilar dum cortejo precedido duma poderosa charanga e fez disso um uso infernalmente manipulador. Também os nossos meios de comunicação de massas manejam bem esta matéria: repare-se na forma psicologicamente bem estudada com que nos bombardeiam os ouvidos, repetindo até à saciedade temas de sucesso (as mais das vezes de pouca qualidade) entoados por vedetas primárias que eles próprios criam. Aliás, o consabido ambiente musical dito ligeiro dispensa-me de maiores comentários.

Seja a música – como alguns pretendem – uma variante da linguagem ou, como outros defendem, a abstracção da linguagem levada às últimas consequências, a verdade é que constitui um dado incontornável do nosso tempo. É, em suma, um dos componentes do grande imaginário actual para além de ser, nos casos mais exemplares – como por exemplo em Bach, Mozart ou Schubert – talvez um sinal com que a “música das esferas” chega até nós para nos dar testemunho profundo do rosto secreto da eternidade.



4. OUVE, ISABEL!

Estava eu no norte do país e queria sair da Cidade em direcção ao Porto sem me enganar na estrada. Como gosto de olhar para as coisas, claro que me enganei. Fui dar, sem má consciência, a Serzedelo.

Fica prá direita, prá esquerda? Sei lá, mas foi ali que eu deslindei um mistério. Ao passar por uma rua apertada que precedia um largo divisei numa parede uma inscrição a tinta que me chamou a atenção e me informou utilmente. Dizia: “Amo-te, Isabel!”.
Era então ali que a Isabel morava! Que mora. A Isabel nortenha dos negros olhos pestanudosque todos conhecemos.
E eu parece-me que sei, Isabel, quem te interpelou assim publicamente. Ou eu muito me engano ou foi aquele rapaz um pouco calado - sim, o que tem um pé ligeiramente de lado e o nariz algo torcido - que uma vez ao passar por ti junto a um café se desviou logo para tu entrares. Por um momento o vosso olhar cruzou-se e tu durante dois dias ficaste a meditar, que o moço apesar do pé e do nariz tem olhos sensíveis, bons braços de trabalhador (é empregado num armazém de pneus) e uma expressão prometedora.
E eu digo-te, Isabel: agarra-o com as duas mãos. Assalta um casino, um comboio correio. Ou vende as arrecadas que os parentes te deram. Paga a operação ao moço, que ele merece. E até pode ser que gostes do pé de lado. E do nariz torcido. E diz-lhe que leste a mensagem. Um tipo capaz de arriscar assim a reputação publicamente não pode deixar de ser um sujeito de carácter. E gostar de ti deveras.
Dá-te pressa. Põe sebo nas canelas - que tens bem harmoniosas e roliças.

Aproveita, que coisas destas não aparecem duas vezes numa eternidade!

5. NA MANHÃ CLARA E QUENTE

Não é soturna mas misteriosa. Um antigo lagar. Todos os dias a vejo, aquela casa casarão agora abandonada. Só frequentada, agora, por pombos. Segundo andar e sótão a toda a largura do edifício. E janelas, janelas de arcada, janelas em ogiva, janelas largas em sacada por onde se faziam subir as saquiladas de azeitona nos tempos da minha infância e adolescência. Todos os dias a vejo – que fica mesmo em frente do Museu aonde estacionava profissionalmente e onde todos os dias passo. Que todos os dias recordo.

Todos os dias? Todas as horas, que da janela do meu gabinete o via e hoje catrapisco na memória sem ser sequer preciso virar os olhos dentro da cabeça.

Casarão à maneira do Lovecraft, que se ele o pisgasse logo o meteria em estória de espantações. Agora, deserto de presenças humanas, já com algumas vidraças partidas, é a guarida dos pombos, dos pombos que como dantes lhe andam sempre em volta (são dum columbófilo encartado, desses que fazem largadas de Oviedo, Sevilha, Vila Nova de Poiares, o mundo…) sem ousarem entrar. Netos - bisnetos, quero eu dizer - dos que por aqui esvoaçavam quando eu era tão-só um puto.

Lançavam-se papagaios: feitos de papel de seda – azul, vermelha, amarela, duravam pouco mais que um dia mas prolongavam-se pelo tempo. E passavam as mulheres da queijaria, a soldadesca e os pedreiros, gente de cara seca e braços encordoados e alguns ficavam a olhar por um momento antes de irem abancar na taberna do sr. Abreu, taberna assim a modos que fina onde os manejadores do maço e das pachadas de cimento entravam com unção de quem entra já não digo num templo mas pelo menos numa sacristia. Os odores das iscas cozinhadas à maneira, o belo carapau de escabeche que nunca mais senti como presença de sedutoras iguarias, o moço de lábio leporino que levava as travessas carregadas de copos e de terrinas substanciais… E o senhor primeiro-sargento Cabanas (o que mais tarde me ensinou a esgrimir) que depois do toque à ordem ia buscar o jantar p’ra ele e sua senhora, acompanhado pelo impedido pacholas, soldadinho raso das bandas de Montargil que lhe transportava os comeres.

E o fiscal de isqueiros, funcionário da repartição de Finanças a quem se atribuíam também suspeitosos outros mesteres e que afinal, depois da bernarda abrilina, se revelou velho militante do partidão e distribuidor, pela calada da noite, de corajosas papeladas subversivas. E a dona Virgínia, cordial vizinha e esposa do senhor Casaca, que fazia brinquedos de madeira – camionetas coloridas, rocas e piões a granel e palhaços que davam cambalhotas suspensos numa barra de arame grosso. E os altares de S. João donde escorria e onde cantava a água numa ribeirinha de cenário, e a menina Maria que foi mestra de gaiatos toda a vida, e o polícia senhor Laranjo que era da terra da minha mãe e por isso eu não temia porque me dava ervilhanas e, já quase na reforma, um dia teve de me ir deter com um colega também das minhas relações, por mando do governador civil porque eu agia demais no velho Clube de Futebol do Alentejo e estava dado como perigoso oposicionista.

Os pombos. Dizia eu – os pombos. Parentes dos que todas as manhãs me acordam, pois vivem no rebordo da marquise por cima da janela do meu quarto, abandonados que foram por um cidadão columbófilo com demasiado apego a Baco e que por isso, flechado na figadeira, lá foi ter com o comandante dos olimpos romanos antes de tempo.

Pombos, pombinhos? Dum suave arrulhar para quem é um dorminhoco convicto. E lá no velho lagar, que eu bem a vi quando uma vez não me contive e espreitei pelo arrombado duma porta, há uma poeira muito fina no ar de outrora iluminada brevemente por raios de sol que lhe cruzam a penumbra mais consistente e onde o silencio para quase todas as horas se condensa e vai perdendo no tempo vivo.



6. COMO UM TAMBOR AO LONGE

Bate e palpita e não é um mar nem um tropel de pernas e braços que sobre um relvado arfa e se descompõe. Nem a revoada de palmas numa sala comicieira de gândulos esfaimados por prebendas, por coisas de muito mandar. Bate: quente, arfante, solitário, nítido como uma voz que reboa na manhã em que ainda se sente o sussurro da madrugada. Bate como um punho numa porta cerrada e depois aberta para o afago, o grito, o absoluto permanecer. Não é um bater de espingarda que se dispara, de aparelho (um piano, um frigorífico, uma mala enorme) que tomba num chão e faz um estardalhaço infernal. Nem um tum tum tum de maquineta enlouquecida.

No calor e no frio das terras e dos tempos, no afastado de salas e de quartos onde os mistérios se interpenetram como corpos de amantes, como corpos de amantes que ao mistério se dão, como um balão que rebenta mas de mansinho, na noite de muito possuir e na manhã de magia, ele efectua o seu ruído difuso, único, solar.

É um pássaro, um super-homem, uma nave que ultrapassa a barreira do som com um estampido?

Ou é soco violento numa mesa, muitos socos violentos sobre uma mesa, um rosto, uma situação?

Não é nem ronronar de máquina de navio, nem grasnar rouco de motor de avião, nem estrépito de cavalos no empedrado de uma calçada antiga.

Com efeito, esse toque toque toque, esse pulsar incógnito mas reconhecível, humilde mas fragoroso no interior do seu silêncio, reboante nas horas de que não há nem notícias nem mapas, esse pequeno ruído como o de um tambor ao longe é apenas, tão-só, simplesmente - o de um humano e apaixonado coração.

7. AS FRAUDES LITERÁRIAS [a]

Neste caso teatro de sombras, de silhuetas difusas, de hipóteses… De coisas muito reais deliberadamente colocadas sob o signo da aparente brincadeira que afinal tem a ver com os equívocos da literatura e das ainda mais equívocas circunstâncias circenses que por vezes lhe andam em torno.
Mas eu explico-me já.
De há uns tempos a esta parte, principalmente depois de haver sido “caçada” uma conhecida e talentosa plagiadora, tem sido razoavelmente falada no milieu nacional a questão das fraudes literárias. Das quais duas - se lhes podemos chamar fraudes - ficaram famosas no século que há 8 anos se finou. Refiro-me, como os de melhor memória terão já percebido, aos affaires de “A caça espiritual” (Rimbaud) e de “Gros Calin” – O lambe-botas, (Romain Gary/Emile Ajar).

Já vamos dar-lhes uma rápida olhadela. Mas importará, em jeito de leve rol, referir que as chamadas fraudes se dividem em vários grupos, a saber: o plágio puro e simples (que tem sido o mais praticado muros adentro); o livro escrito com questionável qualidade mas valorizado por um “nome” de prestígio já a fazer tijolo; o livro de qualidade que todavia o autor nunca escreveu; o livro de qualidade, de facto escrito por um autor de renome mas atribuído a um desconhecido e que antes de ser premiadíssimo vários editores espertalhaços não agarraram com as quatro mãos. Ainda, numa estância subsidiária, o livro que simplesmente não existe (apenas composto por maravilhosos fragmentos bem artilhados) e o livro convincente mas criado de cabo a rabo com o único intuito de mostrar os limites do que se conhece sobre uma personalidade histórica ( e há alguns bastante célebres: sobre Napoleão, Rasputine, Erskine Caldwell…).
Falemos no caso do falso Rimbaud.
Certo dia, os eruditos académicos Maurice Saillet e Pascal Pia (que já havia editado falsos Baudelaires, Pierre Louys e Apollinaires…) disseram ao mundo que o arquifamoso e perdido “A caça espiritual” estava nas suas mãos. Começara a grande tourada…

Imediatamente desmascarado como falso por André Breton, que se baseara apenas no conhecimento interior da obra rimbaldiana, a titarada arrastou pelos bas-fonds da ignorância, da jactância, da sobranceria académica e da tolice literata muitos dos “trutas” das letras francesas mais armados em arco. Afinal, a deliciosa brincadeira fora pensada e executada por dois actores/estudantes que tinham resolvido dar uma lição aos emproados.
Curiosamente, diz-nos um comentador do caso que apesar das evidentes provas dadas de caducidade mental e societária, os génios da crítica em causa continuaram a dispor de respeitabilidade, ainda que a sua credibilidade tivesse ficado muito abalada nos meios menos atoleimados.
Ou seja: o que por vezes parece contar (e por cá há maviosos exemplos) não é de facto nem o talento nem a seriedade estudiosa mas a classe de poder onde os pássaros bisnaus se incrustam.



8. AS FRAUDES LITERÁRIAS [b]

Em 1973 a editora “Gallimard” recebeu um inédito intitulado “Gros câlin” ( O lambe-botas), relato prenhe de sustância, força, pundonor e novidade de escrita. Intimidada, porque o texto era de facto inovador e ia contra a corrente dos romances que a época e as vendas em montra festejavam, a publicação foi recusada.
Dias mais tarde é o “Mercure de France” que recebe o dactiloscrito. A sua responsável, Simone também de apelido Gallimard, pesados os prós e contras dá-o a lume. Olhado a princípio com certa incomodidade pela crítica, a pouco e pouco a obra impõe-se. Começa a sua marcha triunfal e é proposta para o prémio Renaudot. O nome do seu autor, Emile Ajar, por ser desconhecido começa a suspeitar-se que cobre um autor de gabarito: para uns, Raymond Queneau; para outros, Louis Aragon. E outros mais…
Mas um dia, o dia do lançamento de um volume depois célebre, “La vie devant soi”, o mistério descripta-se: o seu autor Emile Ajar era o nome com que Paul Pavlovitch, o sobrinho do já galardoado e consagrado escritor Romain Gary (autor, por exemplo, de “Racines du ciel”, “La promesse de l'aube” de “Lady L”) dera a lume o livro que, logo a seguir, receberia o prémio Goncourt, venderia mais de um milhão de cópias e seria traduzido em 23 línguas…
Paul Pavlovitch torna-se uma coqueluche do “tout Paris”: repórteres seguem-no de Monte Carlo até à Côte d'Azur, é visto nas festas e nos bares de luxo em companhia de belíssimas actrizes e meninas finas do “demi-monde”. Um lindo e saudável forrobodó que não desagradaria, suponho, a se calhar mais de metade dos austeros romancistas lusos…
No princípio de 79 outro livro de Ajar vem à luz: o belíssimo “L'angoisse du roi Salomon”, novo êxito de criar bicho. E é então que em Março outro escrito da autoria de Romain Gary, “Vie e mort d'Emile Ajar” revela o imbróglio: os livros eram produto da sua pena, o sobrinho fôra apenas o actor escolhido para esta partida aos literatos – partida tanto mais gostosa se nos lembrarmos que o Goncourt não se pode atribuir/receber duas vezes…
Ou seja: então como resolver a bambochata? E os gabirús da literatice desesperavam!
Na sequência deste seu último livro, pois logo a seguir, profundamente ferido pela morte de sua mulher e amada, a célebre actriz Jean Seberg, Gary suicidava-se - deixara um bilhetinho irónico colado na testa: “Diverti-me a valer! Até à vista e obrigado…”.
Sem ser só por isto - mas também por isto, por esta manifestação de excelente senso de humor e de alto talento que a passagem dos anos não crestou - sugerimos vivamente, a quem porventura os não conheça, a leitura dos livros de Romain Gary. É um dos que, a par de Marcel Scipion, Jean Husson, Philip Claudel e Jacques Borel (ou seja, dos chamados “descentrados” das letras gaulesas) valem muito a pena ser lidos – com os olhos, com as orelhas, com a ponta da alma.

E com um leve risinho absolutamente colorido…

9. CHARLOT E OS JOGOS DO ESPELHO

 



Podemos questionar-nos: Charlot seria Chaplin ao espelho? Pergunta talvez ociosa, mas que não deixa de ser pertinente. Quase diria com humor: para ser Charlot, a Chaplin só lhe faltava o bigodinho.

Senão, vejamos: a vida de Chaplin foi exemplar do ponto de vista de um ser humano que forcejava por se enquadrar numa sociedade que sem cessar fazia esforços para o remeter, com o clássico pontapé no traseiro das suas comédias, para lugares inabordáveis.

 

Recordemos, ao calhar, os episódios Lita Grey, [1] a tentativa de darem o nosso homem como comunista por ter vendido bónus de guerra (Chaplin comunista é de facto demasiado forte), a censura que lhe faziam em Inglaterra por ter abandonado mais ou menos aquele rincão onde oficiavam os comediantes, esses sim verdadeiros comediantes, no género de Lord Chippendale ou Neville Chamberlain…

Por isso é que hoje se nota sem precisarmos de lupa – basta-nos a perspectiva do tempo, esse supremo crítico como lhe chamou André Gide – que o riso de Charlot, mesmo o dos seus primeiros momentos que a alguns distraídos pareceram simples vaudeville, é o que fica a qualquer um depois de uma grande e pura tristeza. Pierre Hourcade, que um dia se forçou a debruçar-se sobre os mecanismos do humor, como personagem grada que era e por isso vagamente cómica (ia quase a dizer gravemente cómica) tinha dessa matéria uma ideia que, com maldade, classificarei de “perspectiva de proprietário”. Mais ou menos na altura em que Chaplin nos dava o seu “Monsieur Verdoux”, referia aquele académico que o verdadeiro humor é sempre amável ou alegre, ou seja dito de outro modo: excelente pitança para pessoas sérias e decentes que gostam de amenizar os seus dias.

Bem melhor andou Wenceslau Fernandez Flores ao referir que “o humorista é um descontente que se ri da Sociedade em vez de a ferir” – o que remete Chaplin para o lugar que é efectivamente o seu: um homem belamente encolerizado com os disparates do mundo, como diria Chesterton, ao qual foi imposto, por inerência de talento (ou, se preferirem, génio) um caminho traçado entre os pardieiros de Londres e, finalmente, as ruas da imensa metrópole americana. E que ele soube transfigurar e tornar perene.

Ainda hoje se ri a bom rir durante a projecção de “Os ociosos”, de “A quimera do ouro”, de “As luzes da cidade”, de “Tempos modernos”. Já não estou tão seguro que o mesmo suceda ao vermos “O grande ditador”, ou “Um rei em Nova Iorque”, ou “Monsieur Verdoux”, ou “A condessa de Hong-Kong”. Por esta razão muito simples: hoje sabemos à nossa custa que as gargalhadas podem gelar na garganta e que, no fundo, o que Chaplin encenava eram não comédias mas tragédias e que o riso só lá estava para sublinhar uma evidência já posta em equação por Lautréamont: “Ride, mas chorai ao mesmo tempo. Se não puderdes chorar pelos olhos, chorai pela boca ou por qualquer outro lado. Sejam lágrimas, seja mijo, seja sangue, tanto faz. Mas advirto que um líquido qualquer é aqui indispensável”.

Dizia Brassai, conversando com Malraux e Picasso, que de cada vez que via nas actualidades Mussolini a discursar, tinha a impressão que por detrás lhe estava sempre alguém a dar pontapés no posterior. Mas Mussolini era um patifório um pouco risível, apesar dos desmandos que praticou na pátria de Leopardi. Quanto a Hitler o caso era diferente: sinistro sem contemplações de picardia toscana, era de facto um canalha de alto coturno, um verdadeiro criminoso e um ente que, com a sua simples aparição, espalhava a inquietação à sua volta como nos conta Trevor Roper citado por Jean-Marie Domenach. Será então de espantar que hoje nos apareça muito mais ridículo e verdadeiramente objecto de maior riso ferino? Porque o que admira – o que assim torna a regra mais sensível e com maior relevo – é como é que um patife daquele calibre que de facto era não mais que um ser perturbado, pôde ser tido como profeta e condutor de povos.

Porque, efectivamente, o riso profundo, verdadeiro, que dói e liberta mesmo à custa de um arranco interior, tem sempre como alvo o fundamental e nunca o acessório. Pois os ditadores, mesmo disfarçados de gente quotidiana, são sempre um pouco como as figuras dos baralhos de cartas: metade do corpo para cima e a outra metade para baixo, como se estivessem cortados a meio por um espelho que os anos articulam apropriadamente.

Chaplin e Charlot funcionavam noutra base, estavam de corpo inteiro nesta história de imagens devolvidas por um vidro encantado. Agiam noutro plano, que é o da realidade criada depois de se ter atravessado o deserto da estupidez e da mediocridade habilmente forjada por um quotidiano que se auto-designa como responsável e respeitável. À sua maneira contundente, para além de tudo o mais, Chaplin demonstrou-nos e continua a demonstrar-nos esta coisa pacífica e intuitiva: que o riso, tal como os raios da manhã, são o mais eficaz elixir contra a monstruosidade codificada e que, contra ele, os ditadores e os bandidos fardados ficam em petição de miséria – até porque acabam por finalmente compreender que o riso é o verdadeiro precursor daquilo que nas fitas vem efectivamente em sequência e que é a finura de uma estaca plantada em pleno coração do fantasma.



NOTA

1. Lita Grey, actriz vulgar mas muito bela, foi casada com Chaplin. Instruída por sua mãe, mulher ávida e cruel, apresentou queixa contra ele com o pretexto de que este quereria praticar no leito conjugal actos eróticos que saíam do habitual – ou seja fellatio, cunnilingus e sodomia – que em certos estados dos EUA são punidos com pesadas penas de prisão. Entre pessoas casadas, repare-se, nomeadamente por qualquer uma das diversas igrejas existentes e sem que haja violência ou constrangimento moral pelo meio!



10. O QUE SERÁ FEITO DE O.W.FISCHER?

Em conversa de cá para lá com um confrade brasileiro, veio à baila Axel Munthe. O autor de “Homens e bichos” e “O livro de San Michele”, essas obras-primas da nossa boa lembrança.

Incitei o meu compadre do outro lado do Atlântico a apanhá-los com velocidade e a lê-los mesmo pela noite dentro (como se fôsse necessário sugerir…). E vem-me à memória o Munthe do cinema, o grande actor O. W. Fischer que com Rossana Schiaffino nos deu um “San Michele” que nos colava à cadeira do “Crisfal” da minha década dos anos 60.

Moderno, espertalhão, interactivo, vou procurar Fischer nas ruas da Net.

E sei que bateu os engaços, como se diz por aqui, em Janeiro de 2004 . Com 88. Bela idade. Na última foto, ainda com a boquilha cigarral entre os lábios.

Tenho de me deixar destas pesquisas. Prefiro ficar mal informado, sem estas sabedorias descoroçoantes.

Senão qualquer dia, distraindo-me e do outro lado do espelho, ainda vou saber que já fui para os anjinhos…



11. SOBRE TRAVANCA REGO, A UM LUSTRO DO SEU FALECIMENTO [a]

Encontrei-me com J.O.Travanca-Rego, pela primeira vez, no decorrer da inauguração duma exposição colectiva de obras de alguns pintores alentejanos – uns vivos, outros já falecidos – que organizei em Portalegre com o apoio do sector cultural dessa época do município desta cidade.

Já de há certo tempo nos carteávamos. Quem nos pôs em contacto foi o José do Carmo Francisco, que aliás me mandara poemas dele para um suplemento elvense que então orientava, o “Miradouro” do defunto Notícias de Elvas.

Assim que lhe li os versos de imediato me dei conta que não estava ali uma voz de vulgar amenidade. O mesmo que senti quando pela vida fora tenho estado a contas com outros autores que muito estimo: ele sabia o que dizia, quando o dizia e como o dizia. Não era (não é) e creio que não será por muitos anos e bons, um autor de lugares simétricos carreados por um talento urbano e suave. Em Travanca-Rego há o espanto, a garra, o meditar de muitos mistérios que na poesia e pela poesia se consubstanciam. E, no entanto, existe paralelamente uma harmonia que nos seus momentos mais altos nos comunica a certeza de que no seu discurso, na sua linguagem, tudo faz o verdadeiro sentido e é dotado de um padrão interior votado à permanência no tempo.

“A pena valerá que mais palavras/ suportem a voz nua a (des)dizer-se/ como selámos todos – enigmáticos - / uma dúvida perante o indizível?” diz-nos ele nos versos iniciais de “Comunicação”, o terceiro poema do seu “Sinais: 15 poemas de sideração e saudade”.

Siderado e saudoso do que não sabe definitivamente, me parece ter sido o tónus poético deste autor. Interrogativo e em certos casos crepuscular, em Travanca-Rego há como em muitos outros – mas nele com a acuidade dolorosa que o seu passamento veio confirmar – uma amargura filha dum espanto e duma melancolia abertos à procura, contudo, de novos ritmos e da maneira de dizer mais exacta, mais real e adequada aos diversos momentos daquilo que se sente e por isso se descreve. Descrição, comunicação… No fundo, doação de descobertas, de universos que se encontram no percurso que mal ou bem o poeta efectua quotidianamente a despeito das suas mágoas e das suas alegrias, ou para dizer doutra forma: os poemas que encontram a sua existência nessa escrita que se fornece a todos para que a leiam e assim revelem o mundo - que em todos vive, mas que o poeta encarnou.

Diz ele em “Ilha”, arrolado em “Cinco Incisões”: “Deixa-me contar o tempo/ pelos nós dos dedos. Nesta ilha,/ nem estrelas nem uma árvore!”. Mas o poeta efectua a religação mediante os poemas, as palavras que articula ainda que algo o destroce ou, melhor, tente destroçar-lhe o sentido do que cria. Travanca-Rego, sendo um autor de clara vocação lunar, nocturna e aforística, não se compraz nesse mergulho, não se recreia na convulsão: o que ele tenta é efectivamente encontrar uma medida para que esse caos seja reordenado e se extinga como tal, passando para o lado solar das propostas de vida plenamente erguida: “Grão de trigo,/ feitio de um ventre:/ Um planeta/ te habita?”, pergunta ele na primeira quadra do pequeno texto “Intimidade(s)” de “Extracto sensitivo”. Ou seja: o universo contido num pequeno elemento da vida vegetal, o que está no alto tornando-se igual ao que está em baixo como na Tábua alquímica da tradição e da sageza.

Travanca-Rego soube pesquisar o mistério, assim tentou devassar o segredo da esfinge. Perplexo ante os enigmas cumpriu contudo a sua íntima tarefa, se alguma tem o poeta.

Pôde, portanto, afirmar num trecho do seu “Sentido sexto”: “Onde habitasse o desespero alheio,/ deveria ter construído a minha casa!/ - Onde habitasse um pássaro sem asas/ pedindo uma árvore ou um veleiro ou/ pedindo simplesmente/ a mão do vento que sob o seu corpo/ - a afogar-se de mágoa -,/ transformasse em Espaço/ o seu canto em mágoas prisioneiro!”

E não é este, para um autor, um profundo projecto de vida que completamente nos reivindica de pé perante a morte?



12. SOBRE TRAVANCA REGO, A UM LUSTRO DO SEU FALECIMENTO [b]

Durante os sete dias que antecederam o seu falecimento, Travanca-Rêgo fez-me três telefonemas.

No último contacto que comigo estabeleceu, dois dias antes de partir, pareceu-me deprimido, com algo indefinível a limitar-lhe a comunicabilidade. Vinha perguntar-me se recebera a carta contendo um poema para a antologia sobre Abril, organizada por um confrade a quem servi de intermediário. Mostrava-se um pouco ansioso, como se temesse que os irregulares e frequentemente desrespeitadores correios lusitanos lhe frustrassem o intento.

Quando lhe referi que sim senhor, recebera o envelope, que gostaria de o ver e, para o dispor melhor, me dispunha mesmo a ir buscá-lo a Vila Boim, para em Arronches ou Portalegre degustarmos umas especialidades da região e conversarmos até às tantas, senti que se comovera. Respondeu-me, com um travo ameno na voz, que teria muito gosto nisso, mas andava a sentir-se mal. Eram incómodos no corpo e no espírito. Insisti em que o meu propósito, francamente lho confessava, era contribuir para as suas melhoras. Estava ele disposto a entrar nessa jornada? - tornei eu.

Em vão. Não que não lhe fosse agradável tal passeio mas…não se sentia nada bem.

À guisa de consolo, intuí, informou-me que estava praticamente pronta a estruturação do bloco específico que seria inteiramente preenchido com poemas meus - a dar a lume na Revista de Elvas, de propriedade municipal e que coordenava com Fernando Guerreiro.

Recomendou-me com alguma insistência que procurássemos que o poema saísse, quando saísse, sem quaisquer gralhas. “É um poema complexo…Tem aquelas recorrências… Veja lá isso, está bem?”.

Nos dois anteriores telefonemas preocupara-se com o andamento do “Fanal”, o suplemento de que era colaborador e que saíu durante três anos no “Distrito de Portalegre” e que posteriormente, por constrangimento da administração, foi suprimido. Informou-se também sobre o caso em que tivera parte, um processo contra três difamadores que nos haviam enxovalhado numa folha portalegrense.

Dê-lhe a informação que me pedia, tentando pelo meio alguma ironia fraternal.

A sua morte, comunicada de supetão, foi para mim uma dolorosa surpresa. Lá o fui acompanhar ao cemitério de Vila Boim.

Estava um dia de calor atabafante. O ambiente, para além da tristeza habitual em ocasiões assim, era soturno – um ambiente de pequena vila do Alentejo profundo e sem horizontes.

Durante vários dias aquelas horas que constituíram os funerais do poeta pesaram em mim como algo de irreal e de absolutamente não desentranhável.



13. O PRAZER DE CITAR

Tenho um gosto pronunciado pelos provérbios e as citações.

Os provérbios porque, independentemente da sua justeza, por vezes são pérolas de fantasia verbal; as citações porque correspondem a momentos excepcionais no espírito dos autores das frases, quando a mente, em fase ascendente e profundidade fecunda, traça girândolas que jamais se apagam.

Além disso, ambos são úteis. Os primeiros servem muito bem para nos acautelar o dia-a-dia, tornando-nos mais atentos às eventuais ciladas; os segundos, além de serem uma homenagem reconhecida a quem as pronunciou ou escreveu, dão sempre sinal sonoro que ilumina tudo em torno.

Assim, por exemplo, quando um político astuto e cheio de ronha vem prometer mundos e fundos, tirando o pigarro uma pessoa pode responder-lhe parafraseando Churchill: “ Pois… Como se eu não soubesse que a política é a arte de ajudar o público a não tratar dos assuntos que lhe interessam…”. E, se um malacueco qualquer até nós vem com falinhas mansas para nos interessar num negócio chorudo e de mão-beijada, podemos raciocinar: “Tá bem, deixa…Como se eu não soubesse que não dá o frade do que bem lhe sabe!”. Se alguém se queixa de que, num estabelecimento, comprou um produto bom e barato, desses que a perclara televisão nos mete pelos lúzios adentro e que a breve trecho pifou, pode pensar com equilíbrio: “Fui um saloio… Então não sabia eu que as pechinchas dão em requinchas?”. E, ao saber que num determinado serviço público certos funcionários andaram a lesar o contribuinte mediante actos de pequena ou grande corrupção, abafados pelos superiores factuais, pode comentar com filosofia: “Os javardos, na lama, são donos como el-Rei no Paço…”. E a alguém que se admire de que num areópago os representantes populares passem o tempo a bulhar por dez réis de mel coado, esquecendo os interesses da nação, pode responder-se com sensatez: “Deixe lá… Se se pusessem de acordo é que se calhar era mau. Pois não sabe o meu amigo que quando os barões se abraçam quem leva as pauladas é o servo?”. Espanta-se uma pessoa porque os inquéritos sobre os casos das contas de… e das luvas de… demoram a deslindar-se? É referir-se-lhe, com bonomia: “Tenha lá tento! Então nunca ouviu dizer que a roupa suja deve ser lavada em família?”. E ao fabiano que comente o ar patibular de certas figuras públicas, pode esclarecer-se sensatamente, a exemplo de Oscar Wilde: “Note, meu caro, que cada sujeito tem a cara que merece. Aliás, a partir dos trinta anos cada um é responsável pela cara que tem…”. Vem um tipinho, muito moralista, metido na sua indumentária a dar conselhos à gente, pela televisão e pela rádio, alertando-nos para a nossa falta de contenção na fala e para o nosso amor ao mundo, ao dianho e à carne? É repontar-se-lhe de pronto: “Sim, sim…Bem prega frei Tomás”. Ou, como escreveu um dia Benjamin Péret, “Quando eu tinha 20 anos, os espertalhaços avisavam-me: vais ver quando tiveres 40 anos! Tenho 40 anos - não vi nada…”.

Pela minha parte, digo que embora os ditames e as citações sejam inúteis para ultrapassar certas situações de facto (vejam, por exemplo, se é possível acabar com o abuso de poder de certos donos dos grandes dinheiros com um provérbio jogado à cabeça do argentário) o que não admira pois lá reza o ditado sobre o trinta-e-um de boca, e sabe-se que cantar é bonito mas não enche barriga, serei sempre apreciador de tão concisos conceitos.

Bom, mas calo-me já para não correr o risco de algum leitor mais afoito me dizer fique-se com a sua sabença que eu fico-me com a minha mantença ou, pior ainda, vozes de jerico não chegam ao firmamento.

E não me assistiria, está de ver, o direito de responder com uma parelha de coices, como fazem certas coléricas personagens que, por nosso azar, transitoriamente nos tratam do quotidiano…



14. SCHUBERT, A 180 ANOS DE DISTÂNCIA

Em qualquer pessoa que à música se entregue sem preconceitos sempre ecoará uma melodia de Franz Schubert – o Schubert “pequeno, rude e mal ataviado” que numa manhã de Setembro, ante o gáudio de uma vintena de alunos e cultores do bel-canto, se apresentou no Conservatório de Viena para mostrar o que valia, num desses eventos que usam apelidar-se “exames de Estado” das Academias. [2] Mas igualmente um outro Schubert, o de óculos luzindo nas trevas sociais duma Europa que a breve trecho se veria mergulhada em convulsões que aparentemente nada fazia adivinhar, o rapaz “de coração fagueiro” que amava os campos floridos e os bosques olorosos – esses lugares onde, em potência, palpitava a imaginação a que os altos espíritos sabem ser sensíveis e onde se viaja na direcção certa, sob as madrugadas de feliz boémia criadora. E, também, o Schubert dos tempos do fim, pouco a pouco desfeito pela miséria económica e os farrapos dum sonho que não cabia nos estreitos limites duma sociedade espartilhada por regras desajustadas – esse Franz Schubert que a “indústria cultural”, mesmo que o tente, não conseguirá nunca devorar nem escurecer, o “pobre rapaz de olhar ingénuo” no fim da doença que iria levá-lo, lendo custosamente, mas com todo o prazer de um homem que entendia, as páginas exaltantes de liberdade dum James Fenimore Cooper habitante do lado de lá do Oceano. Esse outro lado onde sabia bem viver e onde as planícies abertas eram percorridas por um grande hausto de ar novo e de aventura.

É Alexander Woolcott quem nos conta: “Certo dia de Novembro de 1828, Franz Schubert morria de febre tifóide, em casa dum irmão, nos subúrbios de Viena. Apenas um ano antes, empunhando archotes, um grupo de amigos acompanhara o grande Beethoven à sua sepultura em Wahring e, na volta, fora Schubert de entre eles quem, erguendo o copo, propusera um brinde àquele que iria a seguir. Chegara a sua vez e o inditoso e acanhado rapaz, de corpo cansado e desajeitado, olhos míopes e coração faminto, não daria mais canções ao mundo. Jamais, até então, havia aparecido alguém dotado de tanto talento para a melodia. Foi uma fonte inexaurível de música, e nunca tão fértil como nos últimos anos da sua curta vida. (…) E qual foi a última coisa que Schubert escreveu? Uma carta – uma carta ao seu amigo Schober, com quem no princípio do ano tinha morado na estalagem do “Porco Espinho Azul”, até que se mudou por não poder pagar a metade do aluguer que lhe cabia: 11 de Novembro de 1828 – Caro amigo: Estou doente e há 11 dias que quase não como nem bebo. Estou tão cansado e prostrado que mal me posso mover da cama para a cadeira e vice-versa. Rinna é que cuida de mim. Qualquer alimento que tome, lanço-o logo fora. Nesta situação aflitiva, poderia V. mandar-me alguns livros que me animassem? De Fenimore Cooper já li “O último Mohicano”, “O piloto”, “O espião” e “Os pioneiros”. Se tiver mais algum livro seu, agradecia que o deixasse no Café da Srª Gogner. O meu irmão, que é a consciência em pessoa, mo fará chegar às mãos da melhor forma. Do amigo, Schubert.”

E conclui Woolcott: “Quando pensamos em Franz Schubert, comovido no seu leito de morte ao escutar o ruído de um galho estalando sob o passo de um índio nas florestas à beira do rio Mohawk – que pena não ter, nessa altura, sido ainda escrito “O caçador de veados”! – de certo modo os anos entre 1828 e o presente momento ficam como que riscados do calendário. Não somente a distância entre Cooperstown e Viena se encurta: o espaço de permeio também desaparece. E, de repente, achamo-nos tão perto do jardim de Schubert que podemos ver o vôo dum pardal, e de tal modo próximo da sua cabeceira que chegamos a ouvir o pulsar dum nobre coração”.

A despeito dessa nobreza interior, foi ele sujeito de parcos amores consumados (uma Teresa Grob, uma Karolin von Estherazy pertenceram mais ao plano das vivências do coração forçadas pela miséria do tempo), substituídos por muitas horas empregues a trabalhar nos Cafés de uma Viena dada à alegria e aos folguedos, de conversas com amigos pelos atalhos e caminhos vicinais dos arredores. Schubert, que nunca pertenceu a qualquer ordem iniciática, deu-se contudo com gente diversa, incluindo alguns frater e era sensível à música mais hermética de Mozart como “A flauta mágica”. Mas o seu universo, tão povoado de seres de outro plano mais profundo, reconduzia-se à terra, ao quotidiano citadino ou campestre, transfigurava-se na existência que ele sonhara um dia alcançar mas que a dura realidade societária acerbamente desmentiu. Nessa Viena que pouco depois da sua morte sentiria os abalos dos novos tempos, o destino que lhe coube foi o de incessante tangedor das esferas da Natureza, pois este mourejador musical era um cativante companheiro de pacatos festins e de largos passeios, amando como bom andarilho o sol e o cantar dos pássaros, as merendas e os banhos nas ribeiras campestres [3].

Pode afirmar-se sem margem sensível de erro que só na sua “Viagem de Inverno” palpitam amargamente os fantasmas da nostalgia e do desespero melancólico, a plena certeza da proximidade da morte.



NOTA

2. Principalmente depois do filme “Amadeus” de Milos Forman, Salieri viu colada a si uma lenda absolutamente injusta de mediocridade. Aquilate-se do valor dessa lenda pela sua atitude quando foi presidente do júri que examinou Schubert: ao terminar a prova, ajoelhou-se perante ele e beijou-lhe as mãos. Mais: com Rueziezka, completou-lhe a educação artística e protegeu-o sempre que pôde.

3. Schubert tinha muitos amigos, que devotadamente o acompanhavam nas famosas “schubertíadas”e em excursões pelas estalagens dos arredores que faziam jus à estima que lhe devotavam e à sua maneira de ser aberta e comunicativa. Pois logo a maldade dos bons burgueses de Viena tentou, caluniosamente, ver nisso uma característica de teor sexual em geral mal encarada pelos hipócritas pseudo-moralistas.



15. COISAS DE PANTAGRUEL…

Não percebo nada de cozinha. Emendo: creio que não entendo nada de culinária, o que bastante me pesa. Os prestígios secretos da pimenta, do sal, do cravo-de-cabecinha, as magnificências do colorau e dos cominhos - escapam-me, por meu mal, completamente. Por outro lado, até hoje o único prato que consegui confeccionar sem desdouro de Mestre Cuca foram uns ovos com ervilhas em estilo cometa…que ninguém, saiba-se lá porquê, apeteceu consumir.

Sou pois, como preparador de regalos e de acepipes, aquilo a que propriamente se chama um fracasso e estou em crer que se algum empresário da nova vaga, um desses dinâmicos patrões que se encomendam a Zeus e a Mamon, tivesse a infeliz ideia de me contratar como chefe de restaurante, depressa faria fugir a sete pés todos os comensais que eventualmente me caíssem em frente do guardanapo.

Isso não significa, contudo, que não seja capaz de apreciar a boa mesa!

Já se sabe que para se aquilatar do gosto duns ovinhos mexidos não é indispensável ser-se galinha, assim como para se distinguirem as saborosas características de um chispe não é imprescindível pertencer-se à espécie porcina, posto eu saiba que anda por esse mundo fora muito reco a tentear a mestrança de perito em paladares: o que é sem dúvida legítimo, desde que se mantenham nos limites gustativos da bolota e do maceirão.

Para mim, que tenho pinta de gourmet como dizem os franceses, que nisto de comidas ninguém lhes leva a palma, o frango do campo não é necessariamente inferior à galinhola ou ao pato, o esturjão remolhado não se avantaja à pescada bem fritinha, de rabo na boca ou com todos os matadouros. Cá me lembra por exemplo, com saudades, uma pratada de peixinhos fritos que devorei em Peso da Régua, assim como não me esqueço dos prazeres que em Reguengos de Monsaraz me provocou o maroto dum coelho todo envolto em vinha-de-alhos.

Tenho para mim que há vegetais e vegetais… Todavia, virem-me com a estorieta de que a couve é sempre melhor que a cenoura é balela que eu não engulo.

Bem sei que a couve contém elementos que a tornam recomendável: ele é o ferro, os sais minerais diversos, a vitamina H ou Z, o diabo; mas para mim as cenouras, desde que tratadas com discernimento e suavidade, não se lhes ficam atrás. Além do mais consta que fazem bem à vista. E, havendo nestes tempos tanto omnívoro meio-cegueta, verifica-se assim que não são elas um legume para deitar no lixo ou no esquecimento.

Confesso que tenho um fraco pela batata. Isso parece-me lógico: a batata é o pão dos pobres e eu sou de origem humilde. Radico pois tal preferência num hábito hereditário que me deve ter deixado marcas nas papilas e nos refêgos interiores do estômago. Mas alto! Que não são todas as batatas que me agradam: bem preparadas as quero, sem grelos nem pontos negros. Se cozidas, que se desfaçam na boca; se fritas, que estalem sob os dentes; se assadas, que transportem ao palato o fino olôr místico da salsa e do cebolão.

O que menos me agrada numa batata é que seja envinagrada, farinhenta, torpe como nascida das pedras ou com sabores menos filhos da terra úbere que do super-mercado às três pancadas. Rasca como certos homens públicos…

Quanto a aves, tenho conhecido muitos passarinhos fritos que mais se parecem com pássaros bisnaus. Mas se a avezinha, qualquer que ela seja, estiver cozinhada com mão de mestra, eis que quase se sente esvoaçar no ventre - tão leve e saborosa se achou ao rés do fogo.

Nunca devemos esquecer-nos que uma iguaria, para o ser, não deve ter o lume por demasiado violento ou excessivo: é que os pitéus, tal como os homens, parece não se darem bem com o que é rude em extremo. E é bem natural que a carcaça de um peru se queixe, tal como noutras circunstâncias um qualquer cidadão faria.

Nunca gostei de santolas. Aliás, o marisco em geral deixa-me frio: tem muita casca e pouca carne, é caro e anda para trás como o caranguejo. E eu tenho para mim que às arrecuas não se vê bem o caminho: às vezes até se cai de cabeça ou de joelhos, sem mesmo se ter tempo para antes do trambolhão se pronunciar um deus me acuda protector. Por isso o único marisco que aprecio é a ostra - pois por vezes tem lá por dentro a maravilha de uma pérola.

Quanto a licores só gosto dos generosos. Os espirituosos quase sempre não têm espírito nenhum, até se parecem com um eventual crítico literário au pair ou algum ronceiro comentador televisivo. E se pelos vinhos se entrevê a alma dum povo, então desejo com ganas que o nosso se vá parecendo mais com um porto que com um uísque, mais com um colares que com um vodka, mais com um madeira que com um conhaque. E que não tenha o álcool muito fraco, pois que é dele que lhe advém a generosidade e a altivez.

Das frutas prefiro a cereja, o pêssego, a laranja. Não gosto nada da pêra e quanto à banana já lá vai o tempo em que muita gente a tinha quase de graça, de exportação africana. Agora, coitadinhos, ficaram votados às bananas de outros, à ameixa e às pevides de melão…

Não falarei nas sobremesas, que nisso não tenho preferências de assinalar. Sou ao contrário dos romanos, que quase invadiam um país só para lhe raparem os bolos e os doces ancestrais. Aliás, as sobremesas são petisco pouco sólido e que ainda por cima vem no fim do repasto, quando os apetites já estão fartos e os convivas repletos.

E a nós, apreciadores esclarecidos, o que nos caracteriza é o que a todos os humanos convém: não se encherem muito as panças, não se ceder ao empanturramento, pois que de indigestões e de fartanços estão as covas cheias e as sociedades saturadas.

E na cozinha, como em tudo, é necessário manter o bom-senso.

Não vá daqui amanhã querer-se comer e só nos restar uma côdea ao cantinho da gaveta…

Nicolau Saião (Portugal, 1946). Poeta, artista plástico e ensaísta. Autor de livros como Passagem de nível (1992), Flauta de Pan (1998) e Os olhares perdidos (2000). Com este mesmo título a Escrituras Editora (São Paulo) acaba de publicar uma antologia de sua poesia no Brasil. Contato: nicolau19@yahoo.com

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