Revista TriploV de Artes, Religiões e Ciências

Direção|Maria Estela Guedes & Floriano Martins

PÁGINA INDEX Número 02|Novembro de 2009

NÚMERO 02

Novembro de 2009

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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CUNHA DE LEIRADELLA

 

Quem não gosta de

J. G. de Araújo Jorge?

 

 

Abelardo Mateus é representante da fábrica de Laticínios São Caetano na zona norte de Belo Horizonte. Mora na rua São Manoel, na Floresta, desde que nasceu e todos os dias compra o jornal Estado de Minas na banca do Miquelino,
esquina da av. Silviano Brandão.

        Sempre que possível Abelardo senta-se no último banco do ônibus, joga na rua o primeiro caderno sem ler sequer as manchetes e começa a leitura da única matéria que lhe importa. Segundo caderno, críticas e anúncios de filmes. 

Abelardo conhece todos os cinemas de Belo Horizonte, Nova Lima, Contagem, e alguns até em Sete Lagoas, Itabira ou Itaúna. De segunda a sexta-feira, sem falhar um dia sequer, a não ser por doença ou reunião na matriz da fábrica em Patrocínio, Abelardo vai ao cinema. Aos sábados e domingos lê e relê os cadernos culturais de todos os jornais de Belo Horizonte, catando os filmes que irá ver durante a semana. Que o filme seja a preto e braço ou a cores, seja bom ou ruim, não importa. Para Abelardo importa, sim, que tenha, pelo menos, uma mulher de seios grandes e que ela tire o sutiã. O que Abelardo gosta de ver no cinema são os seios das mulheres enquanto elas andam ou tomam banho. As cenas de striptease, com todos os movimentos estudados, mecânicos, não o atraem. O que mais excita Abelardo são seios soltos, abanando. 

Marileia, a esposa de Abelardo, é uma mulher bonita. No banco, atendendo clientes, ou tomando banho de sol na piscina do Clube Rio Doce, poucos são os homens e mulheres que não a olham. Mas, apesar dos vinte e cinco anos e da beleza, Marileia não é a mulher com quem Abelardo gostaria de ter casado. Abelardo gosta de mulheres com seios grandes e os seios de Marileia cabem na palma da mão.

Abelardo tem quarenta anos, mas foi só no mês passado que conseguiu realizar o maior desejo da sua vida. Ter nas mãos uns seios iguais aos que vê no cinema e nas revistas de mulher nua. Quando Shirley fechou a porta do quarto e começou se despindo, Abelardo ficou duro, sem fôlego, os olhos cravados naqueles seios enormes, redondos, estofando o sutiã e sobrando pelo decote. Encostada nos pés da cama, Shirley nota o olhar de Abelardo e tapa os seios com as mãos. A maior parte dos homens fala do tamanho mas alguns até que gostam. Shirley olha Abelardo e abre um meio sorriso. Será que este vai gostar? Tomara que goste, minha Nossa Senhora, tomara que goste. Shirley tira as mãos dos seios com cuidado.

- Não são muito caídos, não, sabe?

Abelardo não responde, a boca seca e os olhos pregados na carne mole que sobra do sutiã.

- Eu não deixo ninguém apertar muito e só dou banho de água fria. Diz que faz bem.

A garganta de Abelardo aperta e dói e rasca, de tão seca. Meu Deus do céu, ah meu Deus. Tremendo, as pernas duras, mal podendo dar um passo, Abelardo aproxima-se de Shirley. Shirley sorri e tira a saia. Graças a Deus, minha Nossa Senhora, graças a Deus este gosta. Faz um ano que Shirley botou ponto num quarto duas casas abaixo da casa de Abelardo e sempre notou os olhos dele cravados no decote quando se cruzavam na rua ou ele passava e ela, parada na porta da casa, esperava que alguém quisesse entrar. Naquele dia Abelardo chegou mais cedo. Conseguiu pegar a primeira sessão do cinema Regina, na rua da Bahia, e viu Shirley folheando revistas na banca de Miquelino. Aproximou-se, pegou também uma, mas nem a abriu. Como sempre, os olhos cravaram-se no decote de Shirley. Ela notou o olhar de Abelardo e sorriu. Por favor, minha Nossa Senhora, por favor, já devo mais de mês de aluguel. Abelardo continua com a revista na mão. Meu Deus do céu, ah meu Deus. Shirley continua olhando Abelardo. E agora, minha Nossa Senhora? Será que ele vai querer? Fecha a revista e coloca-a na banca.

- Vamos?

Abelardo não responde. Não consegue, a garganta doendo e rascando e as pernas tremendo, imaginando como seriam aqueles seios esparramados num lençol. Abelardo é um tímido. Sempre foi. Por isso compra todas as revistas de mulher nua que Miquelino lhe guarda, vai ao cinema todos os dias e vê e revê os filmes de Izabel Sarli. Sempre imaginando o que faria com os seios que vê no cinema ou nas revistas, se as mulheres deitassem na cama junto ele.

Abelardo casou com Marileia há dois anos. Um mês após a morte da mãe, o pai morto no dia em que deu baixa da Aeronáutica, atropelado por um ônibus na av. do Contorno. Marileia era recepcionista do Banco da Lavoura de Minas Gerais, Agência Centro, morava no Alto dos Pinheiros e o seu maior sonho era viver na zona sul, ali bem no centro da Savassi, as ruas sempre iluminadas e as vitrines sempre com as melhores roupas da moda. Abelardo conheceu Marileia no banco, ao transferir as economias da mãe para a sua conta pessoal. Um mês depois estava casado, Marileia querendo descer para a zona sul de qualquer jeito e Abelardo solitário, angustiado, com pavor de viver só, agora que a mãe tinha morrido. Mas, mesmo com a beleza e o corpo bem feito de Marileia, Abelardo descobriu, logo na primeira noite da lua-de-mel, que Marileia não era a mulher com quem devia ter casado. Os seios de Marileia cabem na palma da mão e Abelardo só se excita com mulheres de seios grandes.

Abelardo gosta de ver as mulheres nuas no cinema e nas revistas porque assim pode imaginar o que quiser, seja botar aqueles seios nus esparramados num lençol ou deixá-los balançando molemente na frente de um espelho. E ele olhando, só olhando. Com Marileia, não. Os seios de Marileia não são nem seios e ela está sempre ali, sempre falando, sempre querendo, e Abelardo não pode imaginar, tem que fazer. Com Marileia, apesar de ter casado apenas pelo pavor de estar só, Abelardo tem que fazer, e Marileia todas as noites quer fazer.

Abelardo não sabe por que só se excita com mulheres de seios grandes. Nunca contou a ninguém e, agora, tem vergonha de falar seja a quem for. Quando menino, era a mãe que lhe dava banho, que o enxugava, que o metia na cama e que gostava de o vestir. E Abelardo também gostava de ver o corpo branco da mãe, ambos no banheiro tomando banho, o pai guarda-noturno, no trabalho, Abelardo passando sabão nos seios dela, grandes, macios como geléia, ela ensaboando o corpo dele, ele tremendo de medo e gostosura. Abelardo já tinha dezesseis anos quando viu a primeira mulher nua, a não ser a mãe. Foi num passeio que o colégio fez à mata do Jambreiro, caminho de Nova Lima. D. Judite, a professora de ciências, fez-se perdida e entrou com ele pela mata, Abelardo tremendo, imaginando, os seios de D. Judite estofando o sutiã, iguais aos da mãe. Mas quando ela tirou a blusa e o sutiã, Abelardo gelou. D. Judite não tinha seios. O volume que estofava o sutiã era só enchimento de borracha. Abelardo fugiu, correu pela mata, desesperado, até que, cansado, ofegante, parou, encostou-se no tronco de uma árvore e escutou vozes. Vozes roucas, contidas. Alguns metros abaixo, junto de uma moita, Seu Demóstenes, professor de português abraçava e beijava Florismar, colega de Abelardo e o maior busto do colégio. Abelardo olhou a cena, tremendo. E quando Seu Demóstenes tirou a blusa de Florismar e os seios apareceram, o coração de Abelardo disparou. Os seios de Florismar, grandes e redondos, como ele sempre imaginava, sobravam no sutiã. E quando Seu Demóstenes desapertou e tirou o sutiã e os seios, livres, abanaram como geléia, Abelardo fechou os olhos e não parou. Masturbou-se furiosamente até ficar sem forças e quase cair no chão, os olhos revirados, estrelados de vertigens. Meu Deus... Shirley tira a revista das mãos de Abelardo e joga-a na banca.

- Vamos?

Shirley sorri e começa andando. Abelardo, mudo, atordoado, segue-a. Os vizinhos que se danassem. O importante, agora, era Abelardo poder ver aqueles seios, iguais aos que via todos os dias no cinema e nas revistas, Shirley, deitada de lado na cama e os seios esparramados no lençol. Shirley já tirou a blusa e a saia, e vai tirar o sutiã. Abelardo treme. Meu Deus do céu, ah meu Deus. Aproxima-se e pega os seios, os dedos rígidos, a garganta rascando e doendo, as pernas cada vez mais bambas, parecendo que vai cair. Abelardo acaricia os seios de Shirley, aperta-os, mergulha a cara neles, esfrega-os, abana-os, o corpo duro, as pernas tremendo, quase caindo. Há anos, muitos anos, desde que deixou de tomar banho com a mãe, que Abelardo não acaricia uns seios como aqueles. Shirley está de pé, os braços caídos ao longo do corpo, olhando Abelardo. Abelardo geme, ofegando, excitado, quase gozando. Por fim, as mãos desajeitadas desapertam o sutiã e os seios de Shirley, soltos, caem. Rapidamente, Shirley levanta as mãos.

- Deixa. Deixa.

A voz de Abelardo sai rouca, abafada, rascante. Ele mesmo tira o sutiã e fica olhando os seios caídos. Lembra dos seios da mãe e dos seios de Florismar, e fecha os olhos. Shirley sorri e mexe o corpo. Os seios parecem geléia, abanando molemente. Abelardo abre os olhos e geme. Shirley sorri. Já conheceu homens assim. Seu Zeló, coitado, Seu Zeló gosta de olhar, nem mexer ele quer. Às vezes pede que Shirley esfregue os seios no piru dele, mas a maior parte das vezes, não. Shirley tira a blusa e o sutiã, fica de pé, Seu Zeló senta na cama, Shirley abana o corpo, Seu Zeló aperta as pernas, pega o piru e goza na mão, só olhando os seios dela abanando, abanando, e Seu Zeló gemendo e babando, até que cai na cama, os olhos revirados e a boca aberta, como se estivesse morto, sem ar, e Shirley deita ao lado dele e acarinha-o até ele ficar calmo, poder se vestir e ir embora.

Shirley olha Abelardo e lembra do pai. Também gemendo, ficando sem ar e sem falar, toda vez que ela tomava banho na cacimba e ele vinha e pegava nos seios dela e ela pegava no piru dele e ele gozava na mão dela, até que a mãe, um dia, descobriu e a botou fora de casa. Abelardo olha Shirley, a garganta rascando e doendo tanto, que não pode nem falar. Shirley levanta os seios com as mãos, une-os e oferece-os. Abelardo mergulha a cara na carne mole, passa a língua, geme, chupa os bicos. Shirley sente um calor subir das coxas e abre as pernas, sorrindo. Ah, meu Deus do céu, desta vez eu vou gozar. Desaperta o cinto das calças de Abelardo e deita-se na cama. Abelardo, desajeitado e tremendo, tira a roupa e ajoelha-se ao lado dela, vira Shirley de lado e olha os seios, um em cima do outro, esparramados no lençol. E enquanto com uma mão segura neles, com a outra masturba-se furiosamente. Satisfeito, feliz por fazer uma coisa que nunca tinha feito, a não ser com a mãe. Masturbar-se, acariciando uns seios grandes esparramados num lençol.

 

 

Quatro horas da tarde. Abelardo Mateus está na porta do Cine Las Vegas, na rua Padre Belchior, próximo do Mercado Central, no centro de Belo Horizonte. Desde domingo que Abelardo sabe que estaria hoje no Cine Las Vegas. Segunda foi ao Lafaiete, terça foi ao México, quarta foi ao São Geraldo e quinta foi ao Candelária. Mas para hoje, sexta, Abelardo deixou o melhor.

VERGONHA!!!

UM GRANDE FILME DE IZABEL SARLI,

A MAIOR NUDISTA DA AMÉRICA DO SUL,

EM EXIBIÇÃO EXCLUSIVA NESTE CINEMA.

 

Abelardo já viu Vergonha, já viu Um Rio se Enche de Sangue, viu Favela, já viu Índia, já viu Sedução Tropical. Abelardo já viu todos os filmes de Izabel Sarli que passaram em Belo Horizonte, em Nova Lima, ou em Sete Lagoas. Uma vez, numa semana mais fraca, Abelardo foi até Divinópolis rever Sedução Tropical. Chegou em casa de madrugada, Marileia preocupada, querendo saber o que tinha acontecido, Abelardo confuso, sem poder contar, mas satisfeito. Tinha gozado no cinema, gozou depois no banheiro, e gozou ainda dentro do ônibus, recordando todas as cenas em que apareciam os seios de Izabel Sarli, nus, abanando como geléia.

O pessoal da primeira sessão começa saindo. Abelardo compra uma entrada, olha os cartazes mais uma vez e entra no cinema. Vai ao banheiro, de tanto entrar em banheiros malcheirosos Abelardo já nem sente o fedor, fecha-se num reservado, coloca o lenço dobrado dentro da cueca, para evitar que a porra manche as calças, e volta. Olha o salão, meia dúzia de pessoas espalhadas pelas últimas filas, escolhe um lugar nas primeiras, exatamente no meio da quinta, e senta-se, cruza as pernas e coloca a pasta dos pedidos em cima dos joelhos. Pouco depois as luzes apagam e Abelardo ajeita-se na cadeira. Passam documentários, jornais, trailers e um filme antigo de Jean Manzon, como sempre fazendo propaganda de uma empresa do governo. Abelardo impacienta-se. Mas que merda, caralho. Outro trailer. Mulata. Abelardo retesa-se na cadeira. Na tela, várias mulatas dançam nuas numa praia, os seios enormes balançando. Abelardo sorri, satisfeito. Graças a Deus, semana que vem já sei onde venho.

O filme começa. Abelardo já o viu no Regina, já o viu no Candelária, já o viu no São Geraldo, já o viu no Lafaiete e já foi vê-lo em Nova Lima e em Contagem. Mexe-se na cadeira, impaciente, e aperta as coxas, esperando a hora dos banhos de Izabel Sarli. Principalmente o segundo. Mais demorado e com os seios vistos de mais perto, melhores para gozar.

Começa o primeiro banho. Abelardo olha a tela e aperta as coxas com força. Sabe que não vai gozar, os seios de Izabel Sarli ficam debaixo da água a maior parte do tempo, mas já é uma preparação para o segundo banho.

A cena termina. Abelardo tem as coxas bem apertadas para manter a ereção, mas desvia os olhos da tela. Olha o salão, vazio e lembra-se do cinema Candelária, na praça Raul Soares, meses atrás. As Feras do Asfalto, filme inglês. Sexta-feira, salão cheio. Abelardo chega tarde e procura, mas não consegue encontrar um lugar isolado. Quando a primeira mulher nua aparece na tela, Abelardo começa suando. Quando aparece a terceira, Abelardo já está tenso, sem poder fazer um movimento sequer, as cadeiras de ambos os lados ocupadas. Quando a quinta mulher apareceu na tela, Abelardo já tinha decidido que se levantaria e iria masturbar-se no banheiro. Tira a pasta de cima dos joelhos e começa fazendo o primeiro movimento para se levantar quando sente uma mão apertar-lhe o pau, doendo de tão duro. Rapidamente, coloca a pasta de novo em cima dos joelhos e abre as pernas. Quando a sexta mulher apareceu na tela, Abelardo teve que cerrar os dentes e morder a língua para não gritar, de tanto que gozou. A mão que lhe acariciava o pau fazia-o com tanta maciez, com tanta habilidade, que Abelardo gozou duas vezes. Era mão de homem. Mas que importava, se ele estava gozando como gozava com a mãe, os seios da mulher abanando molemente e a mão desconhecida continuando a masturbá-lo?

As primeiras imagens do segundo banho de Izabel Sarli aparecem na tela. Abelardo ajeita-se na cadeira, o pau ainda duro pela lembrança do cinema Candelária, e aperta as coxas com mais força. É agora, meu Deus. Izabel Sarli, focada de perto, toma banho nua, os seios abanando na superfície da água. Abelardo aperta as coxas com força, a atenção toda fixada na tela. Sabe que o banho não demora mais do que um minuto e aperta as coxas com mais força. Izabel Sarli começa saindo da água e aproxima-se. Escorrega na lama do fundo do rio, tenta manter o equilíbrio, quase não consegue e os seios parecem geléia, bamboleando. Izabel Sarli segura-os, aperta-os, como se os oferecesse, a carne mole sobrando por entre os dedos. Abelardo contém a respiração, todos os músculos do corpo retesados. Agora, meu Deus do céu. As costas da cadeira estalam. Abelardo nem escuta, os olhos fixos nos seios de Izabel Sarli focados em close, a garganta seca, apertando, doendo, as mãos agarrando os braços da cadeira, as coxas comprimindo que nem prensa o pau quente e duro como ferro.

No exato momento em que a cena termina, o orgasmo explode. O pau estremece, convulso, e golfadas quentes da porra jorram no lenço, por dentro da cueca. Abelardo mantém as coxas apertadas e os músculos retesados enquanto goza, a boca aberta, a garganta seca, mal podendo respirar. Passa-se mais de um minuto até que começa relaxando, o suor escorrendo pelas costas, as pernas bambas, como se tremessem de fraqueza. Fecha os olhos e recosta-se na cadeira, ofegante, e fica assim alguns minutos até ter certeza que pode andar sem cair. Ninguém o masturbou, como no cinema Candelária, mas talvez fosse até melhor. Pelo menos pôde ficar como morto na cadeira, degustando cada segundo após a última convulsão. Respira fundo e, devagar, levanta-se e vai ao banheiro. Procura um reservado com chave, tranca a porta, abaixa as calças, joga o lenço melecado no cesto do lixo, senta-se no vaso, fecha os olhos e revê os seios bamboleantes de Izabel Sarli. Num impulso incontrolável, agarra o pau e masturba-se furiosamente, até gozar de novo. Quando sai do reservado, Abelardo é outro homem. Olha-se no espelho e sorri. Puta merda, hoje foi do caralho. Lava as mãos com cuidado e penteia-se. Sai do cinema e olha rua, o calor ondeando no asfalto. Puta que o pariu, agora só falta é vender a merda de alguns queijos. 

Abelardo Mateus chega em casa tarde, cansado, amarrotado, a cabeça doendo, mas ainda sonhando com os seios de Izabel Sarli. Que mulher, meu Deus do céu. Ah, se eu tivesse uma mulher assim. Abelardo fecha os olhos e os seios de Izabel Sarli saltam na sua frente, grandes, moles, abanando como geléia. Como ele gosta. Ah, se eu tivesse uma mulher assim, meu Deus do céu.

Abelardo é um dos representantes mais antigos da fábrica de Laticínios São Caetano. Só dois colegas têm mais tempo de casa do que ele. Mas nem por isso as vendas de Abelardo são boas. No quadro de produção da filial Belo Horizonte, o seu lugar é sempre o mesmo. Último. Às vezes, quando um ou outro cliente pede um pouco mais, penúltimo. Mas nunca passa disso. Último, quando muito, penúltimo. E Abelardo sabe a razão. É por causa da merda dos cinemas, puta que pariu. Mas semana que vem eu largo essa merda. Ah, largo. É só não comprar os jornais e as revistas, e pronto. Freguês não falta. O pior, é a merda da cabeça. Chega a esta hora, puta que pariu, parece até urucubaca. Dói que dói.

- Assim não é possível, Abelardo. Toda noite a sua cabeça dói.

- Tá doendo, Marileia. Demais.

- Dói hoje, mas ontem também doía. Faz dois anos que a sua cabeça dói, Abelardo, não é possível.

- E quê que eu posso fazer, Marileia? Ela não dói porque eu quero.

- Eu não digo que ela dói porque você quer, Abelardo. Eu digo que tenho vinte e cinco anos e que preciso quem me foda.

- A culpa não é minha, Marileia.

- Nem minha, Abelardo.

Às vezes, mas sempre pensando em Izabel Sarli, sempre imaginando que são os seios dela, Abelardo consegue e Marileia goza, quase desmaiando debaixo dele. Mas Marileia quer todas as noites e Abelardo vai ao cinema todas as tardes. E quando volta, a cabeça sempre dói. E não é só a cabeça doer. A cada dia que passa, menos efeito faz imaginar que os seios de Marileia são os seios de Izabel Sarli. Abelardo salta do ônibus na esquina da av. Silviano Brandão. Na outra calçada um grupo de rapazes e moças conversa em voz alta. Uma das moças começa se afastando.

- Pra mim não. Vou não. Preciso disso não.

Abelardo olha-a, a blusa estofada pelo volume dos seios. Meu Deus do céu, ah se Marileia fosse assim. Pára e olha o letreiro iluminado da farmácia Santa Eulália. Quem sabe eu tomava uma aspirina e melhorava a merda da cabeça? Não. Vou tomar em casa. Começa andando. Pelo menos, assim, Marileia vê que a cabeça tá doendo mesmo e talvez desista de querer. Acende um cigarro e puxa uma tragada. A cabeça estoura. Puta merda, ô, caralho de vida. Joga o cigarro na calçada. E o pior é que Marileia, hoje, vai querer. Ah, vai. Desde domingo que ela não fala noutra coisa. Encolhe os ombros. Ah, foda-se. Se não der, não deu. quê que eu posso fazer?

Entra em casa já preparado. Curvado, amarrotado, como se tivesse saído de uma quarta-feira de cinzas. Abre a porta e chama Marileia. Ninguém responde. Abelardo fecha a porta e olha a sala. Em cima da mesa de centro está um bilhete. Querido, vou chegar tarde. Mas não se preocupe, virei de táxi ou alguém vem me trazer. Seu jantar tá pronto no fogão e é só esquentar. Marileia. Abelardo senta-se no sofá com o bilhete na mão e sorri. Meu Deus do céu, há quanto tempo eu tava esperando que Marileia fizesse isto, hem? Recosta-se no sofá e fecha os olhos, a cabeça já quase não doendo. Assim, quem sabe, agora, a gente até possa ser feliz?

Cunha de Leiradella (Póvoa de Lanhoso, Portugal, 16.11.1934)
Emigrou para o Brasil em 1958. Desemigrou em 2003, mas foi lá que escreveu a maior parte da sua obra. Peças de teatro (Laio ou o poder, Judas, As pulgas, etc.), romances (Cinco dias de sagração, Guerrilha urbana, Apenas questão de método, etc.), contos (Fractal em duas línguas, Síndromes & síndromes (e conclusões inevitáveis), O que faria Casanova?, etc.) e roteiros para cinema e televisão (Belo Horizonte: caminhos, O circo das qualidades humanas, Vestida de sol e de vento, etc.). Com isto ganhou alguns prêmios (no Brasil, Prêmio Fernando Chináglia, 1981, I Concurso  de Textos Teatrais Rede Globo de Televisão, 1982, Prêmio Humberto Mauro, 1997, no México, Prêmio Plural 1990, em Portugal, Prêmio Caminho de Literatura Policial, 1999, etc.).
Contato: leiradella@sapo.pt

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