Revista TriploV DE Artes, Religiões e Ciências

Direção|Maria Estela Guedes & Floriano Martins

PÁGINA INDEX Número 03|Janeiro de 2010

  NÚMERO 03

JANEIRO 2010

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Autores

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LUÍS COSTA

 

Versos para uma

arqueologia do futuro  

 

ANTERIOR

No princípio

eu só conhecia a fermentação  dos astros 

os rumores dos vasos comunicantes que se ouvem a certas horas

entre as vértebras, possessas

 

Mas eu sentia que existias, algures, na congregação

secreta da não forma,

Como um gérmen que combate o húmus

eu sabia-te –  por baixo da ausência

 

SOL INVERNAL

Os ideais arvoram-se nos estandartes dos escritórios,

nas faces bem tratadas  dos  homens gloriosos

 

Do outro lado, mulheres de lenços negros percorrem

as ruas à procura do alimento oculto,

à procura de luz nos olhos negros de seus homens,

magros e mal vestidos,

que,  sentados às soleiras das casas abandonadas, tecem

os dias na fímbria das unhas sujas

 

As horas seguem, indiferentes, a cada passo, para,

ainda mal acabadas de contar,

logo se desfazerem na nulidade da expansão histórica

 

Nos ponteiros dos relógios a areia repousa...

 

E para além das sobrancelhas daquelas mulheres,

enviuvadas de incerteza,

mas ainda esperançosas de que o mel e o leite de outrora

jorre um dia nos desertos das futuras gerações

 

- faz-se um sol invernal   

                          no rosto das crianças

                                                          agora

MAGIA DA GARRAFA

Para Francis Ponge

Esta garrafa diante de mim,

trespassada pela luz que atravessa a janela,

oblíqua, pois já outonal.

Esta garrafa.

No seu interior um espaço líquido,

alaranjado,

onde a luz imita sombreados

irregulares,

como num poço.

Esta garrafa aqui e agora,

à minha frente,

esta garrafa podia ser um sonho,

mas não é

pois está aqui e agora,

pois ocupa um espaço

este espaço

que mais ninguém pode ocupar.

Toco-a. Sinto-a.

Ó dureza nos dedos!

Vidro onde as bocas dos homens quase explodiam

quando te inventavam do nada,

lampião

que se descobre na retina.

 

Em ti extravaso a apetência das palavras

- a sabedoria das pequenas coisas.

ÊXODO

Havia no centro de sua testa,

Por baixo da crina loura, um pequeno buraco.

Era por ali que entrava toda a luz

Vinda da noite polar.

 

Sei que havia nele uma leveza

Angelina, um não sei quê de quem

Nasceu para não vingar

Um monte de pedras na boca

 

Lembro-me de encontrá-lo,

Anos depois, estirado na tábua rasa:

Os pulmões entre as mãos secas;

Do lado esquerdo, esvaecia-se um mar.

PARA UM QUADRO DE EDVARD MUNCH

Vagueio pelas ruas desta cidade

trago a lança das esquinas cravada no dorso

durmo, desdentado, nas retretes públicas

o meu sonho tem dois mil anos

 

adoeci, morri. Acreditei, ressuscitei.

mas a chaga das minhas mãos deixou de verdejar,

por ela floresceram espinhos de raiva

e vermes de eras polares

 

A cidade dorme sob a calúnia de seus mil sóis

os porões afundam-se na sujidade da noite

no meu peito martela o resfolgar de duros metais

na alma cintila o golpe da foice

 

Aguçados fórfices lavram, agora,

os côncavos vazios de meus olhos

ali mesmo, onde outrora deu à luz

a tremenda explosão dos gárrulos

SER OU NÃO SER

Os meus olhos caem à altura do mundo

que lá fora

divaga por entre arbustos e rosas selvagens

há uma moagem óssea no corpo das palavras

que me assomam à garganta

uma ferocidade de um estanho carnal

 

penso

inspiro

expiro

escrevo

sonho

 

A minha cabeça é um sismo ou uma caravela

naufragando por entre ruínas de andaimes

e o gosto pegajoso de um café, forte, mas frio

 

Sei que as veias explodem fora das coisas

nas armaduras de um coração entre taipais,

sei que são como um oceano entre as mãos de uma criança,

como poços de seiva correndo dos ouvidos

 

As arestas ainda não se pressentem

por isso é preciso escrever com o pulso da bigorna e do martelo

é preciso explodir a argamassa das palavras

 

E tu?

Existirás fora de mim, para além das fronteiras de uma

terra que nunca pisei?

Ou só existirás quando pronunciar o teu nome,

quando souber do teu nome?

Haverá alguma coisa no arnês do teu nascimento?

ou tudo será um vazio que a Palavra vai preenchendo?

 

Sim,

com o martelar das metáforas o mundo inventa-se na minha boca

e a natureza é um porão irrompendo do ventre da terra

por entre estranhos matagais...

mas tu ainda não existes

pois ainda moras por trás das minhas palavras

pois a tua boca ainda não provou do sangue da minha linguagem

 

És como os bichos da floresta

que não sabem quem são, nem perguntam por que o são

existem ( porque são nomeados ) naquele círculo aberto-fechado

como castos astros que nascem e explodem...

 

E assim, algures, regressas aos sótãos da terra

sem que as minhas palavras te tenham atingido

........................................................................

Fora de mim

na mudez do meu rosto sem olhos

nunca exististe

DEPOIS DE UMA LEITURA DE QUINCEY *

Sobre a mesa um belo estojo de prata

por entre os dedos ossudos o bisturi emerge
um relâmpago faminto de carne  

Talho no teu branco pescoço um golpe quase perfeito
Repentino um fluxo de sangue aflora
mistura-se na luz que cai da janela 

Mato a sede de ti no teu sangue
Sou um animal delirante
pelas florestas da noite abissal

*Escrito a seguir à leitura do livro de Thomas De Quincey :
“ O assassinato Considerado Como Uma Das Belas Artes

DISTOCIA

Diónisos abre um buraco na espinha do Minotauro.

É por ali que se vê o fundo das vísceras do homem

que com um mar diurético no crânio se arrasta pela praia,

desértica, adiante.

 

Raízes enrolam-se-lhe aos tornozelos em busca de luz...

Um fluxo de sangue brota-lhe do fémur esquerdo,

infiltra-se  na areia...  

Os búzios refugiam-se nas crateras do silêncio.

 

Vindas de longe,

mulheres vestidas de negro aproximam-se

e erguendo os olhos  para Oeste incendeiam a crusta do horizonte

na esperança que o homem  se erga – e aprenda a ver.

CANTAR

“ ... e  para quê poetas no tempo  pobre?
Mas são eles, dizes tu, que, como os santos padres de Dionísio,
seguem de terra em terra pela noite santa. “
Frederico Hölderlin

Pois acordas.

A cabeça pesando entre as mãos.

Gerando demónios.

Os dedos feridos      ainda

 gomosos  de sonhos.

Pois a magreza dos  pés enrodilha-se nos remoinhos

 da água obscura.

Gestos aflitivos. Estanhos.

Ícones.  Casas incendiadas.

Danças

                      estranhas

como aves que se desfazem no café da chávena

 vazia

que levas  à boca        morosamente

e de onde se expele uma carga eléctrica de vozes paleolíticas

que vibra na tábua

dentro do corpo

e  inverte os olhos dos seres

com violências castanhas ou roxas 

 

E gritas:

“ Serei eu  uma vítima?” 

 

Lá de fora,

as sombras espreitam-te

 iluminuras  de azul

espreitam-te

olham-te com desprezo

com o silêncio da palavra indizível

         peremptória

com  a agudez  do silêncio que as gaivotas descarregam

    cegas

                        sobre o mar 

 

“ pois ... “,  dizes tu

 e a voz torna-se cinza na garganta

                        pois...

desejavas voltar ao útero,

 ao espaço  do amor inominável

ao círculo no círculo

e ficares

aconchegado

um corpo na mudez da pedra

ficares aí

pedra na pedra

pedra com pedra

sem sombra nem luz

simplesmente estares     sem saberes que estás

sem morte       nem vida

 

Mas tu sabes que estás aqui e agora

neste momento

lançado no mundo

um dado que rola por sobre a mesa

sob os olhos esperançosos do jogador que talvez tenha

apostado a própria vida em nome da sorte

tu sabes que és

ainda que seja dentro de um sonho és alguma coisa

um indizível fenómeno

uma impressão digital

pois sim

mas és

pois sim  sabes que  estás aqui e agora

presente

pois sentes a comichão da cicatriz do tempo roendo a epiderme dos dias

pois sentes a combustão da sua urina fervendo-te no intelecto

pois ainda que te sintas alguém

nela     não há alegria nem dor

pois ela  é um golpear de neutralidade na tua agonia

uma simplicidade selvagem

que não se compadece de ti

como uma menina que corte uma flor não sabendo que uma flor  é

uma vida      um lugar no tempo

um sol que mal nasce logo morre    sim

mas que se eterniza na disseminação da semente

que mal o inverno passou,

logo vinga 

 

Ah!  

 

sim, não chores rapaz...

Aprende de novo a cantar,

cantar    é isso    ou celebrar  

 

( “ Celebrar,  isso mesmo!  Ser destinado a celebrar “, como dizia Rilke) 

 

Pois sim    aprende de novo a cantar

aprende de novo a seguir os sinais dos  astros

de terra em terra

com as mãos abertas         à espera de nada

aprende que és uma parte do todo

 

( que tem consciência desse todo ) 

 

mas lembra-te que a primavera  nascerá e morrerá

quer estejas presente       quer  não

TELÚRICOS

Manhã 

De novo / o sol / com uma das suas

pesadas máscaras

 

Segues pelo silêncio da terra:

signos baços / o cansaço dos frutos caídos /

a interioridade das coisas

 

De súbito / por dentro dos arbustos /

ouves a ausência dos pássaros

- a Primavera

 

O último trote dos cavalos

a ferradura do sangue / na pedra /

 

quando as máscaras assolam

as casas...

 

Faias. Relâmpagos.

 

Um sol metálico / quebrado

POEMA DO VIANDANTE

Casas de ramos de palmeira,

compartimentos desfalcados pelas chamas dos arcanjos

o centro

o deserto

é aqui que me sinto em casa

é aqui que a minha canção vibra nas cordas

da MULHER-FLOR

é aqui que o homem da chuva

ilumina as fontes com suas magníficas harpas


um quintal

ao centro maravilhosas cisternas

que flutuam no espaço

a água que corre pelos bicos dos pássaros

para que a chama dourada do seu voo penetre a vida

para que as minhas 7 irmãs acordem dos sonhos distantes

das pirâmides soterradas nos antros da imaginação

e brilhem como os metais

e povoem de novo este lugar

e aqui montem as suas tendas

e ergam altares e oráculos

e de novo

nos novos templos

os deuses encontrem a paz desejada.


ah!

 

deixai-me descer aos precipícios de mim mesmo

ao seu verde de música sinfónica

à escuridão do seu musgoso centro;

na chama destruidora

deixai-me olhar o terror da realidade

sentir o doce pesar da agonia no coração,

o seu estilete perfurando a dureza dos músculos

a confusão das grandes metrópoles

na carne


eu sei! eu sei!

é preciso ter-se um coração de cristal,

um arnês no centro da testa,

é preciso ser-se temerário

qual o valente guerreiro que enfrenta a morte

de cabeça ao alto

é preciso saber-se dançar ao ritmo da corda bamba

como os nativos

ou os neófitos de Dionísio

 

mas esta é a minha vontade

soldada a ferro e fogo na troca dos anéis sagrados

a vontade do meu amor pela vida

a vontade de quem não conhece o repouso

nem o descanso dos homens fartos


serei um filho pródigo,

um Prometeu libertado em correntes

uma bússola na mão de um explorador desvairado

uma múmia ao canto de uma estrada

um revoltado sempre em revolta

que não mais voltará à casa de onde partiu

pois que bebeu do vinho dos mortos

a noite santa

pois que conheceu Sísifo pela madrugada;

serei a taça que os sacerdotes passam de mão e mão

e renegarei a minha terra

ao canto do galo

três vezes a renegarei


porém

estará sempre presente no meu coração

no interior da ferida aberta

e ali escavarei um túmulo só para ela

com um altar de finas conchas

e em cima

um verso de letras murmurantes


esta é uma escolha pesada

eu sei

para os homens - cifrão um absurdo

mas é a minha escolha.

a escolha de um homem

que como fronteiras só conhece os muros do vento

que habita o cerne da liberdade

liberdade tomada a peito

tornada palavra

sem concessões ou documentos timbrados

liberdade mais alta do que todas as torres humanas


porque monstruosa

porque pura

porque vinda da alegria e da dor

dos grandes espaços brancos

 

das tendas

 

de quem segue de terra em terra

Luís Costa, Züschen 2009

 

 Luís Costa (17 de Abril de 1964, Carregal do Sal. Portugal).
Tem vindo a editar trabalhos em revistas e sites digitais como: revista Conexão Maringá, revista Zunái, jornal Triplov, site Triplog e revista Agulha.

Blogue pessoal: http://oarcoealira.blogspot.com/
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