Revista TriploV de Artes, Religiões e Ciências

Direção|Maria Estela Guedes & Floriano Martins

PÁGINA INDEX Número 04|Março de 2010

NÚMERO 04

Março de 2010

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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SARA L. MIRANDA

 

A rapariga de cristal

Prematuridade emocional

Silêncio, venho-te falar do silêncio, do silêncio de uma presença, do silêncio de uma ausência. Nada tenho para te dar, e não sei o que hei de dizer da minha abstração. Um espaço, longo espaço em branco, não te posso falar da vida, não te posso tocar no olhar, despido o horizonte da forma dos valores que nos dão forma. Não temo, não sei o que é recear, aliás perco-me naquilo que se constitui como permanente resíduo que respira profundamente nos momentos nocturnos. Não é um turbilhão que segue a marcha da deriva, desconheço o articular dos sonhos, tanto importa que sejam ditos por outro, algo que passa roçando ao lado. É só o teu olhar, o teu adormecimento, o silêncio do mar, do verdadeiro mar, que me transforma na minha transcendência.

Olhar-te, apenas olhar-te, num simbolismo perfeitamente ausente, em formas mudas que se transfiguram marmoreamente. A rigidez de uma incomunicabilidade, de passos perdidos na sua raiz. É só isto que quero, sentirmo-nos ar, a planície eterna, imutável no caminhar perdido, oh, esquecido na sua presença. Trémulas, as folhas caem num dia tão bonito que foi este teu, e jamais poderei afirmar o que posso esperar, jamais a construção de um sistema esperado nas raizes formativas. São sempre os sons que se propagam na melancolia de uma tão procurada certeza perdida.

Quero-te dizer que vivo ainda, ainda respiro o ar pleno da água da presença, ainda aqui, não sei aonde, ainda estou.

Aqui não me confundo contigo, não me comprometo na minha existência, sim, esta é, esta está na correnteza da água das palavras fluidas.

Com tudo o que nos entristece, é a serena tristeza de uma lágrima amarga nas pupilas brilhantes da esperança.

Por entre os passos das gentes
súbita na intensidade
da sua permanência desejada
a frescura de uma entidade
surge
porque também tu caminhas.

A rapariga de cristal

   - Mas o que escondes de mim?

   - A memória da minha voz a voar para o teu coração.


   ...Uma silhueta ao longe,
   Desaparece em seguida
   é a rapariga de cristal
   é um cofre secreto
   com laços sanguíneos poderosos
   e a sua voz de cordas sensíveis.

   Luz envolvente
   Luz na escuridão sobre constelações.

   Luz fulgurante. Faróis da Irlanda. Toda a festa.
   As suas poses lembram uma princesa esquecida entre épocas..
   Poses onde viaja como peregrina
   e que traçam o ar de fora.

   O andar dançante, chega à sala,
   interrompe a família, abre a janela.
   irradia o ambiente, irradia as expressões,
   Os seus movimentos são uma memória nítida em mim:
   Uma canção, uma gargalhada, aquela rapariga.
   Olhos eternos, olhos impenetráveis. O anjo de alguém.

   Um fractal entre arestas, escondido de todos,
   É a rapariga de cristal,
   Desaparece de imediato.

Paisagem emocional

   Embora as palavras viagem pouco entre nós, elas estão sempre
   prontas a partir, nunca se cansam de insistir, e talvez por vezes
   cheguem ao seu destino.
   Porque nascem no fundo do coração, inquebrantável por mais que as
   paisagens mudem. 

Velocidade 

Oscula-me
Por entre a velocidade fantasmagórica da noite.

vento...
oscula-me num sopro de uma borboleta
afaga-me os cabelos
fixa em mim o teu olhar incandescente
num arrombamento à mente, transparece-te.

Deixa-te invisível por ritmos de segundos
incorpora-te nos meus braços.

biliões de fotões ao libertar, finalmente e felizmente.
num remoinho de tempo onde as horas não são mais que fantasmas abalados

Bateres de coração
não somos mais do que ritmos cardíacos
pelo menos hoje
no meio da velocidade fantasmagórica da noite.

Equinócio de um ser



   Diáspora, na busca de um sonho.
   Os meus pés quentes e leves correm na fuga de uma presença invisível.
   O meu ventre frio desfaz-se em particulas celestiais.
   Seguro o meu vestido de Lua que esvoaça ávido de fantasia.
   Inverto-me, virada para o céu diluída nos seus raios.
   Os meus olhos enchem-se de neblina parcial, quebrando o meu ponto
   de perspectiva.
   Desfaz-se o adeus nos meus passos escassos, incertos.
   A expressão do meu rosto é o paradigma.
   O vento torneia-me num frémito.
   A noite nasce nostálgica, solene.
   O meu coração imenso espalha-se ao encontro da tua alma doce,
   impassível.

   Vim por este meio, procurar-te.
   Nostálgica, difusa no desalento.
   Para que me possas descobrir, emersa no teu pensamento.
   Como fada renascida na raiz dos teus cabelos que reluzem,
   respirando à margem dos teus movimentos.
Pausa efémera
   O meu pensamento tem uma cadeira de baloiço, daquelas antigas, na
   qual se costuma sentar.
   Pego no lápis, e desenho em palavras as emoções que me preenchem.
   O murmúrio da água que brota das fontes, é um eco distante em mim.
   O vento canta para mim, as melodias que só ele sabe tocar, nas
   frágeis folhas das árvores.
   Uma onda de quietude e paz, vinda de longe alaga-me,
   enche-me, completa-me. Como a memória de um oceano imenso.
   De contos de marinheiros e sereias. De terras desconhecidas e por
   descobrir. De povos exoticos e estranhos. Mas tão iguais.

   São tantos os muros que me detêm. São tantos os portões que estão
   fechados.
   Imensas as portas que não se abrem.
   As casas dos meus sonhos estão sempre vazias de mim.
   As escadas íngremes, que sempre a custo tenho que trepar. Nunca
   levam aos locais que sonhei.

   Escolho o sonho e o sorriso por contraponto à dor e à tristeza.
   Lá fora, vejo outros arco-íris que traçam mundos mais belos.
   Encontro a resposta e brilho como uma criança que ri feliz e
   despreocupada.
   O Paraíso dorme nos segredos que escondo na minha alma.
   Procuro. Sigo as minhas regras, a minha luz.

   Se me perder...
   Talvez estejas por perto.

   Quero ser parte da tua história.
   Uma pequena porta aberta, uma ponte para o teu coração.
   E mesmo que a razão fosse um deserto, poderia sentir-te proximo,
   porque vives no meu coração.

 Primavera num coração

   Voa asa breve.
   Minha doce, minha andorinha.
   Parte para longe. Vai serena.
   Que nada aqui te retenha.

   Vai encontrar-te com o céu, com o Infinito.
   Deixa a Terra mesquinha.
   Larga esse manto de miséria.
   Muda de Universo.

   Voa irmã, pequenina.
   Voa meu anjo, minha dor.
   Larga o teu manto esfarrapado. Liberta-te..
   Põe fim à dor.
   Vai ao encontro do outro rio. O das flores e do riso.
   O que tanto querias..."A tua vida de criança".

   Voa meu amor.
   O amor é difícil.
   Nada te tira a dor.
   Voa a tua nova viagem.
   Liberta as tuas horas exaustas.
   Voa até ao teu Paraíso Perdido.
   Torna-te sopro, gaivota, rainha dos mares.
   Para um vôo alto e largo, como o pensamento.

   Voa, minha pequena mistura de luz e sombra.
   Voa meu anjo, minha alma..
   Larga esse manto de miséria.
   Vai ao encontro da luz.

Insónia

   Ergo-me com os olhos ainda cheios de bocejos e o espírito adormecido.
   A imagem que me fita do espelho terá que ser aquela com que vou
   enfrentar este dia ainda menino.

   A vida, esta roleta, jogo de sorte e do azar, e que temos de jogar
   todos os dias.
   Mas cá dentro, bem no fundo, não há sorte nem azar.
   Há apenas vontade.

   Só posso acreditar em ti quando dizes:" Tudo vai correr bem."
   Pois, se é essa a tua firme vontade, como posso eu duvidar?
   Se as nossas vontades se juntarem, como crianças de mãos dadas a
   dançarem num jardim, tenho a certeza bem cá dentro, no fundo...
   Ainda que a montanha mais alta estivesse no nosso
   caminho...juntos, tu e eu chegariamos ao fim da viagem.

   O amanhã só podemos imaginar.
   A certeza, a única certeza é querer chegar ao fim.
   Somos nós o centro do nosso Universo.
   O resto, se é que há resto...é uma mera paisagem para entreter a
   vista e os distraídos.
   Tenho o espaço, a vontade.
   Será exigir muito de vós que apenas me dêem o tempo?
   Só vos posso prometer, que com esta vontade partilhada e com o
   tempo que me concederem, nunca será tarde demais.

   O amanhã é muito longe.
   A alegria, a felicidade, se é que existe.
   Está aqui. Agora, na ponta dos meus dedos.
       "Teu Retrato, Minha imagem"
       Permanece nessa placidez doce, meu ébano sonhador.
   Tão longe, quiçá próxima dos meus pesadelos e solidão.
   Odeio-me por respirar sem a tua presença.

   Como eu desejo ser como tu..
   Deito-me no chão frio, como tu.

   Olá minha aura.
   Olá meu amor.
   O caminho ainda não acabou, mas deixa-nos sós novamente com amargor.
   Como mil almas, estamos vazios.
   Eu acredito que o nosso amor nos pode ver através da nossa força.

   Não estás só.
   Não interessa o que outros possam dizer.
   Estaremos de mãos dadas para todo o sempre.
   Apetece-me emoldurar o teu sorriso, pendurar-te num museu de
   fantasia;
   E respirar-te na exibição de um filme sem fim.

   Queria ser como a tua imagem, irmã.
   Deitada no chão frio como tu estavas ali.
   Há um quarto lá dentro para dois.
   Ficamos estendidos neste silêncio abençoado.
   Eu sei, lembrar-nos-emos sempre.

Aceitar é compreender

   Pensam de mim, como sendo uma ignorante selvagem e nunca param de
   falar...das minhas diferenças!
   Esquecem-se porventura, que são essas diferenças que fazem aquilo
   que sou.
   Na minha ingenuidade, tento a custo acreditar no que me dizem. Mas
   não posso, eu sou assim.

   Na vossa linguagem "selvagem": quererá dizer espelho, imagem, eu?
   Ou será que os vossos olhos e a vossa mente estão cobertos de
   nuvens negras?
   Pensam porventura que as palavras ditas, vos pertencem?
   Outros maiores. No talento, no saber e na moral, já o fizeram.
   E esses criaram a sabedoria.
   Vós sabeis inventar estigmas.
   Sois quem tudo julga, para condenar. Quem vos terá atribuído tão
   delicado magistério?
   As rochas, as aves, qualquer flor, terão quiçá algo parecido com
   um coração ou um sentido.

   Para vós, o diferente, seja ele quem for...não é digno de
   pertencer, ser aceite.
   (Com todas as reservas que se habituaram a impor.)
   Só lhe atribuís, uma mísera dignidade igual a vós se: se parecer
   convosco, fizer como vós, aceitar o que lhe dizem.
   "Nunca ouviram falar em preconceito?"
   Se percorressem os seus caminhos. As mesmas quedas, as mesmas
   pedras, o mesmo calvário.
   Então, como seria?
   Pensariam da mesma maneira?

 Contraponto de um desejo

   Sob o teu feitiço transcendente…não estou só.
   Penso. Falo. Sou em mim somente o máximo de mim.
   Algo mais alto se assume como uma flor erguendo-se para crescer.
   A flor existe e floresce para dentro da tua grandeza imparcial.
   Não te posso dizer não.
   Tacteia o meu coração que se interrompe nas tuas mãos.

   Será que devo deixar-me envolver docemente?
   Agora não consigo cessar este sonho que me prende a respiração,
   mas…sinto-me bem!

   Bebo num ápice a suave decadência.
   Este silêncio que se reveste de tudo o que não sei dizer, como uma
   rede a sustentar-se de todas as impurezas…
   Não te posso dizer não.

   Ainda há muito para vir.
   Continuo à espera da chuva alta e profunda a cair torrencialmente
   sobre mim.
   Não a farei vibrar.. É ela só que a si mesma se confessa.

   Serei eu suficientemente humilde para me amares também?
   Faz-me um sinal ou deixa a tua alma guardar-me.

   Eu gostaria de ser como tu, estendida no chão, como tu.
   E lá dentro um quarto para dois.
   E eu não estou a sofrer por ti.
   Eu estou a ir para ti.

Sara L. Miranda, Lisboa, 6 de Janeiro de 1986 (Portugal)
Escreve no TriploV e no blogue Uma Casa Em Viagem, tendo publicado poesia, para além de traduções. Dos seus textos constam os seguintes titulos: A Rapariga de Cristal, Prematuridade emocional, Choro numa noite de Novembro, Velocidade, Silêncios, Uma boneca nos braços, Contraponto de um desejo, Pequenas coisas, As cores do vento, Insónia, Tenho o sol na cabeça, Ternura.

Contacto: saramirandaeter@gmail.com

Website: http://umacasaemviagem.blogspot.com/

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